quarta-feira, 21 de março de 2012

ENTREVISTA DO CINEASTA WERINTON KERMES PARA O BLOG ARTE BRASIL




1) Werinton Kermes quero primeiro te cumprimentar pelo histórico e competente trabalho que fez sobre Clementina de Jesus. É um prazer ter você falando com o público que acompanha nosso blog. Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória?


R. Quando criança, tinha um fascínio por imagens, às quais eu via em revistas velhas que uma família rica doava para eu e meus irmãos podermos estudar. Vinham Nacional Geographic, Seleções, Revista Manchete e outras das quais eu não me recordo, e eram publicações com imagens de um mundo e de um planeta terra que me deixavam fascinado. Havia reportagens de lugares e personalidades.

Lembro-me de uma destas revistas na qual havia um ensaio fotográfico da produção de charutos em Cuba, uma com fotos de Sebastião Salgado em Serra Pelada, no auge da extração de ouro naquela região, uma sobre a guerrilha no Araguaia, e biografias como a do Capitão Carlos Lamarca, que desertou do exército brasileiro e foi para luta armada. O poeta argentino Borges, o Manoelzão, que inspirou Guimarães Rosa na obra os Grande Sertão Veredas, e tudo isto ia me ajudando na minha formação.

Como sou filho de tecelão com uma empregada doméstica e minha adolescência e infância eram de um outro Brasil, de muito menos oportunidades de estudar em uma universidade, principalmente pública, o que era para poucos, percebi que jamais poderia vivenciar aquilo tudo que eu degustava nas páginas das revistas, a menos que eu pudesse ser uma daquelas pessoas que produzisse as tais imagens.
Na Cidade onde moro e nasci (Sorocaba), há um jornal, o Diário de Sorocaba. Eu ainda menino fui pedir emprego como fotógrafo.

O jornalista e proprietário, senhor Vitor de Luca, a quem devo a primeira oportunidade, me disse que fotógrafo não era função para moleque, mas que eu poderia ser auxiliar de laboratorista. Agarrei esta oportunidade e três anos mais tarde eu já estava nas ruas da cidade como repórter fotográfico. Daí em diante, deixei Sorocaba e fui contratado em jornais como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Diário Popular e até revistas. Tive o prazer de ter reportagens fotográficas minhas publicadas em Veja , Isto é, Marie Clair, e aquele sonho de infância de estar em lugares e estar com ídolos se tornou realidade. Estive com Fidel Castro, com Borges, Bob Dilan, com Betinho por várias vezes. Irmã Dulce, frei Damião, Clementina de Jesus e Raul Seixas, entre outros.

E neste trabalho de repórter fotográfico, conheci muita gente, principalmente do meio cultural, sobretudo do cinema brasileiro. Nas minhas horas de folga, era contratado para ser fotógrafo de cinema e foi aí que percebi que o que eu fazia com a fotografia era documentário, só que estático, e que o cinema nada mais é do que fotografia (24 por segundo). Resolvi dar movimento às minhas imagens - são 51 documentários e 1 ficção.

2) Conte-nos como é o seu processo de criação, como escolhe os temas que vai documentar?

R. A arte para mim é momento de vida, e ser documentarista não é profissão, é paixão e forma de contribuir com a conscientização das pessoas. Procuro definir os temas com aquilo que me aflige e me preocupa naquele momento. No início dos anos 80, dirigi um documentário chamado Aramar, a quem pertence que tratava da questão das usinas nucleares no Brasil, pois a questão de Chernobil e o césio 117 de Goiânia mexeu muito comigo. Como venho do jornalismo diário, sempre me preocupei mais com o tema e com o que eu quero mostrar do que propriamente com o roteiro. Fazia imagens e colhia depoimentos e depois montava de uma forma jornalística, mas com aquele jeito cinematográfico.
Hoje, como não milito mais no jornalismo, tenho uma produtora ( Provocare Cinema e vídeo ) e uma parceria com Míriam Cris Carlos, que faz todos os roteiros.




3) Você documentou João do Vale. Como foi o processo de busca de imagens e depoimentos, já que você foi até às origens deste grande compositor?

R. João do Vale foi umas das coisas mais significantes que aconteceram na minha vida. Era uma daquelas pessoas que eu via nas revistas e me inspiravam, pois pobre, negro, saiu de um lugar longe e estava nas revistas ao lado de Chico Buarque, Nara Leão, Fagner.

Em 94, participei do festival de Cinema de São Luiz do Maranhão, com um documentário que era uma biografia de uma velha comunista do interior de São Paulo, chamada Salvadora Lopes. E quando terminou a exibição, uma moça se aproximou e me perguntou se eu não queria fazer um documentário com um cantor maranhense que estava passando por momentos difíceis, tanto financeiros como de saúde e que um documentário seria muito bom para levantar a autoestima dele.

A princípio achei que fosse alguém ligado às questões folclóricas do estado, pois o Boi é um elemento cultural muito forte, e os puxadores das músicas do Boi são muito respeitados. Mas foi quando ela me falou, é o João do Vale, o homem do Carcará. Fiquei meio sem ação, achando até que era exagero por parte dela, só para eu fazer o documentário e assim realizar um desejo pessoal dela, pois era inadmissível que João do Vale estivesse no estado que ela me descrevia, morando de favor no fundo de uma clínica e sem dinheiro até para remédios. Voltei para São Paulo com aquilo na cabeça. Nos anos 90 a Internet ainda era coisa para poucos brasileiros.

Tive dificuldade em checar, mas consegui, com amigos do Rio de Janeiro, perceber que a informação era real. João do Vale, aquele negro que vendeu mais de 10 milhões de discos, estava passando por necessidades básicas. Esta mulher que me procurou, hoje é uma grande amiga, Francisca Alencar. Ela solicitou ajuda da Universidade do Maranhão para as passagens aéreas e fui para Pedreiras, e constatei com os meus próprios olhos o estado deplorável em que estava um poeta, um gênio da arte brasileira. E de uma coisa Francisca tinha razão, mais do que dinheiro para remédio, João precisava ter sua autoestima resgatada.

E o documentário João do Vale, Muita Gente Desconhece, teve este papel. Após o filme, João estava muito melhor reconhecido, principalmente pela população da cidade de Pedreiras, que não se dava conta do filho que tinha. Ele me ligava frequentemente para dar notícias do tipo “o Edu Lobo me ligou porque viu o filme e achou massa”... “Vamos fazer um filme do Largo da Onça”... (quilombo onde João Nasceu). Acredito que João morreu muito melhor e com a autoestima elevada.

Ele era um artista, e qual artista não é vaidoso de sua obra...

Um comentário:

  1. Muito boa a entrevista
    Parabéns ao blog e ao Diretor Werinton Kermes
    Sua história e visáo social da arte sáo fantásticos

    Humberto Dias
    Apucarana PR

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