sábado, 11 de julho de 2020

ALDIR BLANC, UMA DOR ASSIM PUNGENTE: TEXTO DE NELSON BRAVO

Caro Nelson

Que nítida e bela radiografia de um gênio com o qual tivemos o privilégio de compartilhar nossas vidas.

Grande abraço

João Bosco


 
             
              ALDIR BLANC, UMA DOR ASSIM PUNGENTE
  Consciente do sentido ético da existência e dotado dessa pureza d’alma que só os verdadeiros artistas possuem,  ALDIR BLANC MENDES deixou  seus milhões de amigos e admiradores órfãos desconsolados, neste abril de  tristes  lembranças.

  Nascido em 1946, no Estácio,  Zona Norte do Rio,  reverenciado por Dorival Caymmi como o  “ourives do palavreado” e pelo cartunista Jaguar como  “Proust de Vila Isabel”,  legou ao Brasil  um acervo de canções fundamentais, cujas letras  subvertem, pela invenção e criatividade,  qualquer  lógica formal.  Diante delas nos sentimos surpresos e encantados, como criança assistindo a  um mágico que jogasse palavras para o alto e elas caíssem onde ele apontasse o dedo.   

  Aldir Blanc sempre viveu com pouca grana e sua maior alegria era ser um compositor popular.  Incapaz de trair sua sensibilidade de poeta, nunca aplicou na bolsa, preferindo  investir suas economias nas boas ações da vida.    Assim, fez do seu coração um cofre e  nele depositou as mais sublimes canções, uma forma de amenizar as asperezas do mundo e dar  sentido e espiritualidade à vida.

  Formado em Medicina, em 1971, mais por influência do pai,  com especialização em Psiquiatria, sentía-se obsessivamente  atraído pela música, desde menino.  
  Culto e sensível, com um senso de  humor e ironia dignos de Voltaire,  ao optar pelo mundo incerto da música,  mostrou atrevimento e senso de liberdade impensáveis para um jovem de  23 anos.   
Infeliz na Medicina, após dois anos de consultório, ao optar pela música,  trocou o jaleco branco pela mais espiritual das artes, como quem permuta ferro velho por diamante. 

  Assim, descartou, numa só tacada, o divã de  Freud e os compêndios de  Psiquiatria.  Fã assumido de jazz  - é sintomática sua obra  O Gabinete do Dr. Blanc, sobre Jazz, Literatura e Outros Improvisos”, alusão ao diretor  Robert Wiene e seu filme “O Gabinete do Doutor Caligari -- e leitor erudito dos clássicos, que estava sempre revisitando,  fruia também da companhia de Lima Barreto e Ney Lopes,  seus escritores amados e mais chegados ao  Rio antigo e contemporâneo, respectivamente.   

  Seus primeiros passos na música  foram na contramão da época:  começou cantando nos bares da vida, autores então considerados “fora  de moda”:  Noel Rosa,  Geraldo Pereira, Wilson Batista, Ataulfo Alves e Ismael Silva, eternas referências do legítimo samba carioca, em Vila Isabel e no Estácio.  E isso  lhe bastava.   
  
  Ouvia diariamente Noel Rosa, único ser que considerava abaixo de Deus, desde menino.   Na verdade, Aldir Blanc era um baobá da nossa música, mas chorava, tinha pressão alta e taquicardia, quando via a Acadêmicos do Salgueiro desfilar.   Com ela, só cometeu duas infidelidades (perdoáveis): desfilou na Comissão de Frente da Mangueira, na homenagem a Drummond e aos poetas, em 1987, e na da Mocidade, no tributo a Elis Regina, em 1989.  
  
  A  “Pimentinha” , que ele idolatrava,  foi decisiva em sua vida: gravou dele e João Bosco, em sua breve carreira, 28 canções. A dupla só foi batida por Tom Jobim, de quem ela emplacou 30!  
Amado e respeitado por seus parceiros, músicos e intérpretes, ele também escreveu nos principais jornais  do Rio e São Paulo,  cronicando na excelente revista Bundas e no célebre semanário Pasquim

  Como todo gênio movido pela ética e destemor, por vezes  contrariava interesses políticos e ideológicos de alguns patrões, com os quais não transigia.   Daí ter sido demitido de alguns diários,  mas sem jamais abdicar da   “dignidade de um mestre-sala”.  Sabia que quem perdia eram os jornais e seus leitores.   
   
  No seu período de residência médica, sentiu-se impotente e frustrado para atender a 120 pacientes seminus e sem remédios, vagando como zumbis pelo hospital, onde só havia 40 camas e a prática medieval de eletrochoques era rotina, o que lhe causava horror e evocava, por similitude,  as torturas praticadas pela  ditadura militar.  
        
  A parceria Aldir Blanc e João Bosco, uma das mais importantes do mundo da música, nasceu no início dos anos 70.  Eles se conheceram em Ponte Nova (MG), lá apresentados por Pedro Lourenço, amigo de Aldir, no Rio.   A dupla, como alguns  casais, passou por um “divórcio” de 20 anos, de 1982 a 2002, quando, só então, reatou,  agora de forma mais discreta, contida e equilibrada. 
                                                      
         
  Estrearam em disco em  1972, com João Bosco gravando a música “Agnus  Sei”, lado B do Disco de Bolso do Pasquim, que no lado A trazia “Águas de Março”, de Tom Jobim, na voz de Elis Regina.                                                              
  A mais conhecida e famosa canção da dupla,  “O Bêbado e a Equilibrista”, de 1979, foi inspirada na música “Smile”,  de  Chaplin, composta para seu filme “Tempos Modernos”, de 1936.   Na voz de Elis Regina, seria um verdadeiro hino da Anistia, clamor pelo retorno dos exilados pela ditadura militar.   Dentre eles,  Betinho (Herbert de Souza), até ali sem rosto e vagamente conhecido  apenas como “o irmão do Henfil”.  

  Aldir conheceu Betinho durante um show no Canecão, num prosaico esbarrão no corredor do banheiro, quando  o ex-exilado reconheceu-o e disse: - “Eu sou o irmão do Henfil, meu nome é Betinho.  Eu voltei por causa daquela música.  Eu nunca vou te perdoar, seu f. da p!”   Daí, saíram para o abraço.                      

   Sobre a letra de “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, Aldir disse que foi 
dificílima, mas, um dia, chegando em casa  esborneado num táxi, sem papel ou lápis,  ela veio num repente.   Desesperado,  entrou  no cafofo correndo e tacou a letra inteirinha num gravador.  A consagração viria a seguir, outra vez na voz de Elis Regina.  

  Para entender como esse tema aparentemente trivial mas  inusitado lhe ocorreu, vamos à  gênese:  o jovem Aldir Blanc gastou uma grana preta e alugou um smoking para  arrasar  num baile no Clube Monte Líbano, no Leblon.  Saindo do Estácio naquela beca de funerária, foi estranhado por uns e gozado por outros.  Chegou ao Clube,  tinha dez mil caras vestidos de pinguim, iguais a ele!  Esperou cinco horas para conseguir entrar no salão.  Eram  3:30 da manhã, e no primeiro rodopio com a dama, esta quebrou o salto do pisante, que os deixou na mão.  Em entrevista ao Pasquim, Aldir contou esta história e explicou  que, “naquele época, o tornozelo tinha uma magia.  O band-aid é torturante por isso: porque era excitamento também.” 

  Sobre essa música, em fevereiro de 2000,  Aldir escreveu que comoveu-se quando Luís Fernando Veríssimo lembrou, na sua crônica  “Torturante band-aid”, da época,  que o  band-aid no calcanhar, valia  um compêndio de sociologia suburbana e que  talvez não existisse uma expressão maior de perdição e desejo na música brasileira.   

  Quanto à canção “O Mestre-Sala dos Mares”, de 1974,  em homenagem a  João Cândido, líder da revolta da Chibata, lembramos que ela empacou um tempão na Censura.    Originalmente, denominada “O Almirante Negro”,  só foi liberada quando eles se mancaram e  trocaram o título e o texto, onde aparecia a palavra “negro”, por outras,  graças à “dica” de  um cara da própria Censura, que entregou o ouro pra eles: se  a usassem, ela seria sempre vetada.  
   
  Quando a dupla se “enquadrou” nos conformes da época, a música alçou vôo.  Aldir dizia que a canção preferida de sua lavra era “Resposta ao tempo”,  parceria dele com o pianista Cristóvão Bastos,  gravada por Nana Caymmi em 1998, maior sucesso da cantora.  De  um profundo lirismo no tratamento do tempo, tema tão caro ao filósofo francês  Henri Bergson, nela Aldir Blanc escreveu: “E o tempo se rói de inveja/ De mim/ Me vigia querendo aprender/ Como eu morro de amor/Pra tentar reviver.”  

  Vascaíno de carteirinha e leitor voraz de clássicos do romance policial,  curiosamente, ao morrer,  deixou  um manuscrito “noir” inédito, cujos  personagens, de conduta pouco louváveis,  pelo que eu soube, circulam pela Tijuca e seus arredores.  O romance enseja finais alternativos, à escolha do leitor, o que não deixa de ser  moderno e surpreendente.     

Dos poetas, cedo Aldir Blanc já curtia Neruda, Maiakovski, Valéry, Vinicius, mas sua grande e maior influência seria mesmo “o poetinha”.  Quando leu, pela primeira vez, “Dentaduras Duplas”, de Carlos Drummond de Andrade,  disse que tomou um choque e levou uns dois anos para compreender que era um poema magnífico.  
    
  Algumas mortes calaram fundo nele: as de suas filhas gêmeas, nascidas prematuramente de sete meses, em 1974, do seu primeiro casamento, a do seu cão labrador Batuque, em 2012, e a do seu pai Ceceu (Alceu), que morava com ele, em 2015.  
Em 2011, escreveu para Carlos Lyra 19 canções do musical “Era no tempo do Rei”, inspirado em livro do Ruy Castro, certamente  as letras mais mordazes e provocativas da história do teatro brasileiro, segundo a crítica.   

  Conforme  revelou Ruy Castro, uma noite, Aldir desembarcou de um táxi na porta do teatro João Caetano, durante a temporada do musical.   Sem ser percebido pelo público, entrou e curtiu o espetáculo na “moita”.  Ao seu final, quando o elenco era ovacionado, se mandou pra casa, feliz, no maior anonimato, como se não fosse ele um dos responsáveis por aquela obra  existir.  

  Aldir Blanc teve dezenas de parceiros ilustres, dentre os maiores nomes da MPB.  Os mais assíduos foram João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Maurício Tapajós e Cristóvão Bastos.  Intérpretes, também teve aos cachos, de Chico Buarque a Ivan Lins, de Nana Caymmi a Leila Pinheiro.    

  Descrente da nossa Justiça caolha, complacente com  doleiros, delatores premiados,  políticos corruptos, bandidos da coluna social e torturadores, tinha sempre um olhar de candura e compreensão para com os excluídos.    

 Seu livro “Brasil Passado a Sujo: a trajetória de uma porrada de farsantes”, é uma bandeira ostensiva desse Brasil varonil que aí está.   
Como todo avô coruja, sua maior alegria era brincar com os netos, que podiam fazer  dele  gato e sapato.   Aliás, o próprio Aldir teve uma infância feliz, no Estácio e  Vila Isabel, evocada no livro  Vila Isabel - Inventário da Infância, além dos  deliciosos passeios de barco e pescarias de siri que fazia com familiares e amigos  à paradisíaca Ilha de Paquetá, de menino até a vida adulta.                                                                   
  No seu escritório-bunker de mais de 20.000 livros, curtia música, compunha, estudava, tocava violão  e escreveu mais de vinte obras, sobre figuras cariocas e acontecimentos do Estácio, Tijuca e Vila Isabel, em crônicas e histórias deliciosas.  

  Começou a sofrer da ‘síndromes do jaleco branco’, desde que perdeu suas filhas gêmeas.  Ela é  caracterizada, sobretudo, pela elevação da pressão arterial, no momento da consulta médica, além de outros sintomas.  Traduzindo em miúdos: passou a ter horror a médicos.          
Fez dezessete anos de terapia com duas craques da área, pelas quais tinha grande apreço.   Elas o trataram quase de graça, segundo  me disse, devido ao desmoronamento do sistema autoral.       

   Essa tragédia foi mais agravada em  1991, quando, perto do Túnel Santa Bárbara, junto ao morro da Coroa,  o carro da sua mulher foi violentamente atingido por trás por outro veículo.  Aldir, que nunca dirigiu, estava sentado no banco do carona e seu calvário, para o resto da vida, não mais teria fim.  Com o choque, ele sofreu uma extensa fratura no  fêmur esquerdo.  Retirado do carro por terceiros, ficou um tempão estirado no chão, enquanto sua mulher também sangrava, ao seu lado, mas com menos gravidade.  Um bombeiro de folga que corria se exercitando  pela área, veio avisar que havia ocorrido um outro acidente no túnel e não havia ninguém para socorrê-los.   Foi quando a galera do morro do lado do Dona Marta desceu.  Aldir puxou Mari, sua mulher, já com um pé descalço, despedindo-se dela, quando um negrão enorme, de calção e sandália japonesa, segundo o Aldir, deu um tremendo esporro na galera, liberou o socorro  no grito e eles foram levados de Bugre para o  Souza Aguiar.   

  Mesmo lá chegando com a fratura batendo, ele  ficou eternamente grato ao pessoal da favela, responsável pelo seu resgate, fato confirmado pelo  próprio médico que os atendeu, na  emergência do Souza Aguiar. 

  Depois, viria o suplício de receber uma placa de 40 cm e 12 parafusos na perna, tendo que permanecer oito meses deitado numa cama.  Em 2010, descobriu-se com diabetes e parou de beber e fumar.  Esse golpe o levaria a uma fobia social,  por ele mesmo admitida, a partir de então, quando só raramente passou a sair de casa.  
    
  Por uma incrível coincidência,  tempos após o acidente,  duas de suas filhas lanchavam  no barzinho de um amigo dele, quando uma moça, na mesa ao lado delas, disse para uma amiga: “Eu estava no banco do carona no carro que machucou o Aldir Blanc e a mulher dele.  O meu namorado, um babaca, bateu no carro deles porque estava tentando me agredir, numa crise de ciúmes e, na raiva, meteu o pé no acelerador”. 
Essa confidência me foi transmitida, em anos recentes, pelo próprio Aldir,  mas sem qualquer rancor, o que achei admirável. 
Mesmo considerado um dos maiores compositores do Brasil, com mais de 600 músicas gravadas pelos nossos maiores artistas, e tema de dezenas de novelas de sucesso e minisséries celebradas, além de caracterizar, musicalmente, mais de 60 personagens, Aldir Blanc nunca conseguiu viver de direitos autorais.  Sobrevivia de bicos, letras, textos para jornal, livros, releases, o que pintasse.  Assim, se equilibrava “na corda bamba de sombrinha”  para sustentar sua prole.  

  Em abril de 2013 , sua presença foi festejada como um acontecimento raro na Livraria Argumento, do Leblon, ao sair de casa para prestigiar o lançamento do livroALDIR BLANC – Resposta ao tempo,  do jornalista Luiz Fernando Vianna, hoje esgotado.    

  Em 1991, chorou, o que não era comum,  quando morreu Yves Montand.  Em sua memória, compôs com Guinga  a deliciosa  chanson  “Mise-en-scène” (“Yves Montand de manhã, em passant,/ L’ennui, Le Néant, ai, haja Fimatosan...”) abraçando, nessa geografia afetiva,  Paul Valéry e  Jean-Paul Sartre.  
 
  Ficou doente quando morreu Tom Jobim e só saiu da fossa pelo humor, quando sua filha lhe mostrou um diálogo de Luís Fernando Veríssimo, no jornal, que dizia: --“Invadiram a Chechênia”, e o outro perguntava: -“De quem?”.  

  Em 23.5.17, Aldir tinha que gravar um depoimento na corte da OEA sobre Vladimir Herzog.  Fê-lo sem dormir, com câimbras, ansiedade, dores imensas nos dois pés,  uma vontade louca de biritar, mas se conteve.  No dia seguinte, confessou que na véspera de uma gravação seu nariz sangrava e não dormia um minuto sequer.  Resistia à vontade de beber, gravava, saía tudo certo, mas aí, caia no “cão negro do Churchil” (depressão) e passava mais 24 horas na pior...
Aos que ainda confundem a canção “Sinal Fechado”, de 1974, de Paulinho da Viola, com a sua “Amigo é pra essas coisas”, de 1970,  sucesso do MPB-4,  parceria dele com Sílvio Silva Jr., Adir Blanc sempre ressaltou  que a primazia de ser o primeiro a usar um diálogo na MPB, para ele, era irrelevante.       

  Com a Internet, tinha uma relação de amor e desprezo.  Nela já  escrevera, há décadas, sobre jazz, música brasileira, o Rio, etc.  Às vezes,  dava um rolê pelo Louvre, British Museum, livrarias especializadas, etc.,  mas subia nas tamancas com esses idiotas que emporcalham a rede com imbecilidades e fake-news.  

  Seu lado gauche, rebelde e inconformado, sempre foi explicitado  no humor e ironia  de muitos de seus textos e canções,  por ele sabiamente utilizados como  mecanismo de defesa para proteger a sua dor, como ensina Freud.                     No quesito rebeldia e arte,  Aldir Blanc poderia ser escalado num time  (sem técnico) que abrigaria nomes  marginais, mas devastadores, dando uma banana para o “sistema”, como Caravaggio, Van Gogh, Rimbaud, Lautréamont, Erik Satie, B. Traven , Jean Genet, Jimmy Hendrix,  Janis Joplin, James Dean, Milles Davis,  Hélio Oiticica, Gonzaguinha e Torquato Neto, dentre uns poucos,  todos muito mais próximos de Deus do que supõe nossa vã filosofia.      

  Aldir Blanc nunca pensava naquilo que iria letrar.  Deixava a letra bater ene vezes, até sentir condições de fazer, a menos que tivesse prazo pra cumprir.  Explicou que ela às vezes vinha na rua, no sono, etc.  Em 90% dos casos, fazia letra em cima de música.
Declarou, entre seus medos, não ter o  de morrer, mas revelava  preocupação de como iriam ficar seus filhos e netos.  Só não queria morrer com tubos,  comadres...  

  Cidadão de fina erudição,  mas, como Mário de Andrade,  nunca deixou o país.   Na Psiquiatria, assimilou o ensino pioneiro de Franco Basaglia, que esteve algumas vezes no Brasil,   R. D. Laing,  Michel Foucault e Nise da Silveira, figuras emblemáticas da luta antimanicomial, que também seria a sua.  Mas negou que a Psiquiatria tivesse aberto sua cabeça de letrista.  

  Tinha apreço especial pelo seu belíssimo disco “Vida Noturna”,  onde quis mostrar a voz, dizer “eu canto assim”,  com arranjos de Cristóvão Bastos e esplêndida capa, criação do seu amigo, parceiro  de aventuras e artista plástico Mello Menezes, pelo selo Lua, que lhe deu  um sonoro cano.   

  Sob controle desde 2008, só bebeu, dali pra frente, duas vezes: quando da morte de seu pai, em 2015, e no dia da sua longa entrevista para O Globo, pelos seus 70 anos, em 2016.  E pensar que o jornal o demitiria, em 23.7.18, por ele recusar-se a defender as políticas e a candidatura de direita que o jornal apoiava!.

  Dizia-se ateu, mas, nos últimos anos, passou a rezar.  Quando alertei-o para cuidar da saúde, em meados de 2017, respondeu-me de forma tranquilizadora e esperançosa:  “Você não vai me perder nem quando, como diz o grande Ney Lopes,  eu partir da jornada terrena”.  

  Com justiça, seu perfil artístico e humano foi traçado com mão de mestre por  Ricardo Cravo Albin, que o considerava ombro a ombro com Noel Rosa,  e o contemplaria, no seu fabuloso Dicionário da MPB, como um dos principais verbetes dessa obra inigualável.    
Nestes derradeiros meses, declarava-se estarrecido com a degradação do Brasil.  Seus últimos dias foram de pânico e desespero para sua família:  sem plano de saúde,  sua filha Isabel assumiu  a tarefa de angariar fundos junto aos amigos do pai, pelos jornais,   para conseguir  transferi-lo para uma UTI.

  Finalmente, esses recursos não foram necessários e ela pôde mudá-lo do Hospital Miguel Couto, no Leblon, para uma UTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel.  

  Com infecção urinária e  pneumonia, agravada pelo coronavírus, Aldir Blanc  terminaria seus dias hospitalizado, isolado de todos que o amavam, da forma mais triste e solitária  possível.  
           
  Sem velório, seu corpo foi cremado no dia 5 de abril, no Memorial do Carmo, no Cemitério do Caju,  Zona Portuária do Rio. 

  Reconhecido e reverenciado por todos, pela nobreza do seu caráter e  o sentimento de suas músicas, onde todos nos sentimos incluídos e  abraçados,  distinguimos com louvor em ALDIR BLANC MENDES esse artista especial e ser humano inesquecível, exemplo de decência, perseverança e luta,  que viverá para sempre em cada um de nós, toda vez que nossa alma for  tocada por um  verso ou  nota de suas sublimes canções. 


Nelson Bravo – Juiz de Fora




3 comentários:

  1. Hoje tive contato com essa belíssima homenagem do meu conterrâneo, Nelson Bravo, ao inesquecível Aldir Blanc. Claramente, uma mistura de palavras vindas do coração e cheias de admiração. Vida longa aos poetas da nossa música, da nossa arte, do nosso país.

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  2. "E se transformássemos a LEI ALDIR BLANC (Emergência cultural) numa extraordinária oportunidade, referência/convocação municipal/estadual/nacional de realização de uma 'COPA DO MUNDO DA CULTURA' (BENEFICIÁRIOS DE BLANC UNIDOS JAMAIS SERÃO VENCIDOS), requerendo a todos os beneficiários da mesma para UNIRMOS todos identificados fazedores de cultura do 'BRAZIL DA ERA DE AQUÁRIO & GNOSOS TRIBOS = LEGISLATURA DE CIBERESPAÇO' onde os cidadãos beneficiados com os três bilhões de reais se conheceriam, se cumprimentariam e se uniriam à 'ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO DIREITO DA ARTE E CULTURA' (ASSDAK - 34 NUCLEOS - 32 ANOS) e ao 'MOVIMENTO PRÓ-MORALIZAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO' (MPMPL), ambos de Juiz de Fora, encarando o desafio maior de nos unirmos na 'PRAÇA HALFELD DA CULTURA', em Juiz de Fora/MG, presencialmente & virtualmente no próximo dia 24 de Junho de 2021 = aniversário dos oito anos da 'MANIFESTAÇÕES/PASSEATAS/JORNADAS de JUNHO DE 2013' parodiando o 'CLUBE DA LULUZINHA' onde 'QUEM NÃO GOSTA DE CULTURA NÃO ENTRA' -

    MILTON LEITE BANDEIRA (75)
    JOSE LOPES FILHO (103 - IN MEMORIAN)
    Defensor Direitos e Deveres Humanos
    Promotor Mobilizador Cultural
    Diretor Executivo da ASSDAK/MPMPL

    32 – 9-8480-4582
    gnososbrazil@gmail.com

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  3. (Carta do autor do texto sobre o mesmo...)
    Nelson Bravo
    Querido e imprescindível astro da nossa melhor música ARNALDO ANTUNES, bom dia. Se v. nos permite, tomamos a liberdade de enviar-lhe modestas matérias em homenagem aos amigos ALDIR BLANC e JOÃO BSOCO, caso v. queira nos dar a honra de passar os olhos por elas, quando tiver um tempinho "à toa na vida", o que nos daria muita prazer. O texto "ALDIR BLANC, UMA DOR ASSIM PUNGENTE", feito às pressas em noites sofridas, cuidando de pessoa amiga num hospital, vitimada pela Covid-19, e que a levaria a óbito, saiu sem ao menos uma revisão prosaica, daí conter ligeiras imperfeições formais e uma "mancada" que pedimos nos perdoar: nosso ALDIR foi sepultado no Caju em maio de 2020, e não em abril, como ali digitamos apressadamente. Receba nosso abraço fraterno com muita gratidão pela sua generosa atenção. Do seu amigo e eterno admirador, Nelson Bravo, 78 anos, Juiz de Fora (MG).

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