Querido Tom
Estou te escrevendo para te dizer que hoje amanheci saudoso.
Já são dez horas da noite de uma sexta feira de inverno de 2001. Mas com um prenuncio de uma linda noite de verão.
A tarde já se foi com seu calor deixando a noite passar e chegar. E chegou com todo seu encanto. Com toda a melodia maravilhosa de tua musica em minha alma.
“Caminhos Cruzados” Toca no som da minha sala em frente ao Atlântico.
As lágrimas do meu rosto se misturam com o suor do meu vinho, me trazendo lembranças de um passado em nossa linda Ipanema, pedaço de chão carioca e de praia maravilhosa que nós dois tanto amamos. Tanto vivemos.
Lembranças de nossas noitadas lá na Rua Nascimento e Silva no teu pequeno apartamento e de Tereza, tua primeira mulher, onde o Paulinho, teu filho de nove anos apenas, hoje grande musico, ouvia em seu sono e em seus sonhos os divinos acordes do teu piano suave e delicado e de minha voz afinada e cheia de paixão em busca do futuro.
Depois os outros encontros.
Lembra daquela noite etílica onde nos encontramos e nos abraçamos no bar Antônio’s, entre Ipanema e Leblon quando recordei tuas lindas canções universais, mas inéditas que me destes?
E aí Tom, como é. Aí no céu dá pra tomar uma?
Tenho certeza que sim, Tom. Primeiro que Deus é bom. Deus é justo. Tanto que deu o céu pra ti e pra toda gente boa.
Foi ele quem inventou o malte. Inventou a cevada, a uva, o amor, a musica. Ele deve estar te ouvindo e chorando. Porque deus também chora. Deus tem emoções.
E por falar em uva, Tom, eu agora tô bebendo mais vinho. Uísque só quando tenho vontade. Chopinho só em Ipanema. Tô cuidando da silhueta.
E tu e o poetinha Vinícius sempre juntos? Muita musica nova, muito uísque, muito chope gelado e muito papo?
Tom, avisa pro poeta Cartola, que é também da corriola, que eu fiz um lindo poema pra ele. “Cartola, as rosas falam sim”.
Já usei até a internet e falei com o pessoal da Mangueira para saber o número do barraco da Dona Zica, a mulher dele, para mandar o meu poema de amor, das rosas, do Cartola, para ela.
E por falar em poema Tom, o nosso Drummond continua tímido e maravilhoso?
O Nelson Cavaquinho continua cantando pra ti e pro Vinícius aquela linda poesia musicada, “Rugas”?
Aqui na terra Tom, a tua garota de Ipanema continua sendo a “garota brasileira mais cantada” em todo mundo.
Mais tocada do que a tua musica só a dos Beatles. Também, como tu disseste: “É, mas eles são quatro. Eu sou só um”.
Estive com a linda Helena Jobim, tua irmã querida no lançamento do livro dela sobre tua vida. Que dedicatória recebi! Que emoção.
Quanto a mim Tom, estou com os cabelos mais brancos e a alma mais sofrida. O coração cheio de amor. Só que, além do amor, muita dor.
A minha filha Fernanda está aí no céu.
Desde o dia que ela se foi, eu fiquei muito triste. Eu virei um poeta triste.
Não sei se ela já te encontrou. Mas tenho certeza que na hora que ela te encontrar, vai logo te dizendo que minha filha.
Ela adora musica. Ela sempre foi muito de jazz. Mas com relação à tua musica, ela é igual a mim. Adora. Ama.
Quando encontrares a Fernandinha, toca e canta pra ela “Estrada do Sol”. Diz que fui eu quem pediu.
E a última novidade aqui na terra Tom, é o livro que escrevi e o CD que gravei Pequeno Ayrton – o Ayrton Rocha que vou lançar agora em agosto. É uma homenagem a Fernanda.
O livro é a história da minha vida. O CD é a história da minha voz. Da minha musica que tu tanto conhece.
“Remasterizei minhas gravações de garoto e gravei com minha voz de agora a tua musica que me destes para gravar, “Foi a noite” e” Perdido nos teus Olhos” que fizeste para Estella, meu amor, minha paixão, minha mulher.
Tom, tá na hora de apagar a luz.
Já estou no meio da segunda garrafa de um celestial vinho de Bordeaux que me faz sentir ora no céu, ora na terra.
Ouço agora no som da minha sala em frente ao Atlântico na voz maravilhosa do Nelson Gonçalves tua linda musica “Falando de Amor”.
Vamos dormir.
Um beijo no coração, cheio de saudades, do amigo Ayrton Rocha.
Em tempo: tu lembras quando dissestes que “o Brasil é um País de cabeça pra baixo”?
Pois é Tom, continua mais de cabeça pra baixo ainda.
ESTA CRONICA POEMA, ESCREVI NOS OITENTA ANOS DO TOM.
AGORA, REPUBLICO, QUANDO ELE RECEBE HOMENAGENS PELA PASSAGEM DO SEU ANIVERSÁRIO.
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