domingo, 14 de junho de 2020

BLOG ARTE BRASIL: ENTREVISTA COM TIAGO MAYER


O blog Arte Brasil; instrumento de comunicação do Instituto Cultural Arte Brasil; tem a satisfação de entrevistar o músico, pesquisador e professor Tiago Mayer que bate um papo descontraido sobre infancia, artes e educação. Confiram que vale a pena!



                                      ENTREVISTA COM TIAGO MAYER

A)     Prezado Tiago Mayer, conte um pouco sobre sua infância e seu inicio na música.

Olá, Aldo Moraes, primeiro quero agradecer a você pelo convite a essa entrevista ao blog Arte Brasil. Tive uma infância agradável, morava em uma casa simples na cidade de Londrina e na década de 1980 brinquei bastante, jogava bola na rua, ia para igreja com minha mãe, estudava em escola pública e no início dos anos 1990 comecei a me interessar pela música. Não tinha em casa uma influência para isso, mas quando vi minha irmã e alguns amigos daquela época estudando violão com um professor particular, não quis ficar de fora. 

A partir desse momento a música e a cultura me envolveram. Passei por diversos professores locais, até que encontrei o projeto Batuque na Caixa. Nesse projeto comecei a ter as experiências de palco, uma agenda artística, que me motivava a estudar ainda mais violão e guitarra. No Batuque fiz memoráveis viagens e conheci diversos outros artistas. Não da pra listar tudo aqui, mas destaco a viagem a Salvador, para tocar com o grupo Olodum no Pelourinho. Quando fiz 18 anos já dava aula de violão e guitarra particular, e no projeto Batuque na Caixa. Nesse momento o caminho da música e cultura estava posto, não pensava em outra coisa.

B) Você fez licenciatura em música na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. Em seguida, você parte para especializações.  Conte um pouco sobre essa caminhada.

Assim que sai do ensino médio, estava disposto a fazer uma faculdade de música. A única opção em Londrina era a UEL. Pedi ajuda ao Aldo Moraes, que me cedeu livros e gravações de música para me preparar para a prova específica de música e também tive aulas particulares com o finado Marco Tureta para essa finalidade. Entrei na licenciatura em música no ano de 2004. Foi um período memorável e não consigo mensurar o tanto que cresci como pessoa e artista. 

O convívio e aprendizado com professores e colegas por 4 anos consecutivos me deu um grande suporte, além de ter conhecido outros espaços culturais, lugares, toquei em bandas, etc. Logo após a faculdade, ingressei na especialização em educação musical na UEL e pude aprofundar um pouco mais nesse campo. Após ter conseguido essas titulações acadêmicas, almejei fazer um mestrado. Como naquele momento não tinha pós-graduação stricto senso em música, não seria possível conseguir essa titulação em Londrina. 
(na foto com Aldo Moraes e Rafael Bataglia)

No ano de 2013 mudei para São Paulo, me inscrevi como aluno especial na USP, fiz mais aulas particulares, agora com o professor Dr. Paulo Tiné e depois de várias tentativas, consegui ingressar como aluno regular da USP no ano de 2017, pela Escola de Comunicação e Arte (ECA), no programa de musicologia. Obtive o título de mestre em 2019. Agora a meta é o doutorado. 

C) Como você enxerga a importância da educação musical nas escolas públicas e por meio dos projetos culturais que ganharam inclusive importância social em vários cantos do Brasil?

Sempre acreditei na educação musical. A escola é o espaço de transformação, que extrapola a função de ensinar as crianças e jovens a ler e escrever, mas permite conhecer um mundo de cultura, diversidade e a estabelecer relações sociais. Na escola se constrói a identidade, se prepara para o mundo do trabalho e tem contato com a arte. Nesse ambiente maravilhoso, que é a escola, a educação musical não pode ficar de fora. Além da contribuição para a sensibilidade, criatividade, integração entre os alunos, ampliação do conhecimento, destaco a educação musical por seu potencial em oferecer uma educação a partir da música, que envolve a vivencia e experiência com os ritmos, sons, melodias, instrumentos, corpo, canto, entre outros. 

Nesse intuito, o professor que utiliza em suas aulas a educação musical pode formar bons ouvintes, intérpretes, compositores e dar base para o aluno que tenha interesse em prosseguir profissionalmente com a música. Educação musical na escola é uma parte da universalização da educação, o que é compatível em um estado democrático. Em um projeto cultural, como é o caso do Batuque na Caixa, a educação musical também tem esse viés, de tanto oferecer uma educação pela música, como de socializar. Todo projeto cultural está entrelaçado com objetivos sociais, pois tem o grande potencial de incluir justamente aquele que tem poucas possibilidades e mobilidade. 

Um projeto cultural alcança aquele jovem cheio de potencial, que não teria recurso para pagar por aulas particulares, pode também oferecer uma atividade no contra turno escolar e preencher com arte e cultura um importante tempo do jovem. A educação musical na escola e projetos culturais é caminho certo para resgatar os jovens e oferecer uma cidadania plena pela arte.

D) Sei do seu trabalho de pesquisa musical sobre o importante projeto Sentinelas de Londrina.  Como você realizou a pesquisa?

Quando fiz especialização em educação musical na UEL, na monografia pesquisei o trabalho que o Jorgisnei de Rezende fez ao liderar o Coral Sentinelas. Pude me aproximar desse educador, no ano de 2010 e conversamos muito sobre seu trabalho. Como escolhi o modelo de entrevista semiestruturada para levantar informações para essa pesquisa, gravei diversas vezes nossas conversas, para depois tabular toda essa informação e conseguir dar um norte pra pesquisa. 
(O músico Jorgisnei Rezende e sua família)

Com isso, percebi duas perspectivas no trabalho de Jorgisnei. Um era a preocupação que tinha com a educação musical, até por ser um músico experiente e licenciado em música. Outra perspectiva era o resgate social que promovia, pois tinha como público diversos alunos que estavam em vulnerabilidade social. Jorgisnei tratava essas duas perspectivas em um mesmo grau de importância e assim procurei fazer em minha pesquisa.

E) Quais desafios encontrou no trabalho de recuperação da memória e pesquisa do Sentinelas de Londrina?
Fazer o resgate da memória de um projeto já não é por si uma tarefa fácil, mas tive o privilégio de contar com o Jorgisnei, que é muito organizado, o que facilitou tudo. Jorgisnei registrava com fotos as apresentações, guardava as reportagens que saia nos jornais, anotava os locais que se apresentava com o Coral Sentinelas, fazia estimativa de público e relatório mensal das atividades. 

O trabalho que tive foi de organizar todo esse material, fazer uma cronologia dos fatos, para entender como tudo aconteceu e conversar ainda mais com Jorgisnei, para que pudesse lembrar os momentos vividos com o coral. Essa organização mais apurada foi feita nesse ano de 2020 para a publicação de um livro, que em breve vamos divulgar.

F) Como você avalia o legado do professor e músico Jorgisnei Resende à frente do Sentinelas e o impacto na cultura de Londrina?
Entrevistei alguns alunos do Jorgisnei, que integraram o Coral Sentinelas. Fica evidente o impacto, pois falam do educador com muita estima e agradecimento. O educador conseguiu se apresentar em diversos lugares e a mídia local acompanhava essa movimentação. Jorgisnei fez algumas viagens com o grupo, que ficaram gravadas na memória de todos envolvidos. Em 2003, logo no primeiro ano a frente do coral levou o grupo para se apresentar em Curitiba no Palácio do Iguaçu. Em 2004 foi se apresentar com o grupo em Foz do Iguaçu. 

Nesse mesmo ano gravaram o primeiro CD, o “Sementes de Deus”. Em 2005 gravaram o segundo CD, intitulado de “A Arte Promovendo a Paz”. Enfatizo que Jorgisnei não selecionava alunos por competência musical, mas bastava apenas ter interesse pelo canto e querer aprender um pouco de música. O Coral Sentinelas funcionava no contra turno escolar e o público eram os próprios alunos da escola. Quando iniciou o grupo, Jorgisnei fez intensas atividades de musicalização, para depois inserir o canto e formar o Coral Sentinelas. Jorgisnei tinha um público de alunos, que em sua maioria enfrentavam variadas mazelas sociais e tinham pouca ou quase nenhuma experiência com música. 

Com esse pessoal conseguiu formar um grupo e levar ao patamar de gravar dois CDs de excelente qualidade, além de criar uma agenda local e nacional de apresentações. Sendo assim, podemos dizer que o Jorgisnei impactou a vida de muitas pessoas, bem como a cultura em Londrina. Possivelmente em setembro de 2020 vou lançar um livro sobre essa caminhada de Jorgisnei no Coral Sentinelas. É uma história de superação, alegria, afeto e muita música. Vai ser uma alegria possibilitar que mais pessoas conheçam o trabalho de Jorgisnei, que pode inspirar outros projetos musicais e artísticos.

G) Como o músico Tiago Mayer vê a música atualmente no Brasil e no mundo?

Vejo com otimismo. O Brasil é um terreno fértil para música, que pelo seu tamanho e diversidade produz uma variedade de ritmos e artistas. Temos que tomar o cuidado para não pensar e analisar a música do Brasil unicamente pelo que acontece ao nosso redor ou na mídia, pois pela extensão do nosso país, diferentes tendências podem ocorrer ao mesmo tempo. A música no Brasil sempre foi admirada pelo mundo e assim permanece. 

O músico brasileiro tem espaço e público em todo canto por sua musicalidade e criatividade, então acredito que a música no Brasil vai bem. Pensando na música feita no mundo, hoje temos a internet como aliada e em pouco tempo você consegue ter acesso a alguma música ou expressão artística feita em qualquer canto. Com isso você também consegue divulgar com velocidade e atingir um público ideal para o seu trabalho musical. 

A internet e tecnologia ressignificou a escuta musical no mundo e possibilitou um acesso mais rápido. Lembro quando se tornou possível baixar música e usei intensamente desse recurso para ampliar meu repertório. Foi ótimo, pois pude até conhecer obras completas de vários artistas que admirava e expandir minha experiência e senso estético musical. Além da música brasileira, tenho interesse no jazz, na música erudita, no rock e gosto de escutar outras expressões étnicas, como a música indiana e árabe.

H) O leitor sempre está atento às dicas do próprio autor. Você fez arranjos, composições e formou o Farofa Duo com Leopoldo Nantes. Que obras você destaca em seu catálogo de composições?

Na faculdade formei o Farofa Duo com o Leopoldo Nantes. O nome farofa veio do pensamento de uma mistura, que é toda nossa influência musical. Compomos as músicas enquanto estávamos na faculdade, sou feliz e grato por ter lançado o CD Espontâneo em parceria com o Leopoldo. Difícil selecionar uma música do nosso disco, mas Baião da Terra, Chuva Fina e Elisa são canções que escuto com a sensação e encanto de que é a primeira vez. 

Outro interesse que tive foi pela composição de músicas com canto. Trabalhei um tempo com o finado maestro Roberto Panico, que me confiou arranjos para seu grupo vocal da Casa de Cultura de Londrina. Tive a honra de fazer arranjos para coro e orquestra a pedido do Roberto Panico para o musical A Galinha Ruiva. Foi uma experiência maravilhosa. Tenho um ciclo de canções para coro, que ainda preciso revisar, fazer algumas correções e buscar um meio de lançar. Há também algumas canções soltas, como um blues que fiz e o Daniel Bussi gravou em um disco do Zazou Wave.   

(Com Leopoldo Nantes, no Farofa Duo)


I) Fale um pouco da experiência em investigar a obra de Luiz Bonfá

Uma vez fui para o Rio de Janeiro e passei na casa do amigo Jorge de Mello. Em uma ocasião ele me disse: porque você não pesquisa sobre Luiz Bonfá, que é um músico de alto nível e foi “esquecido” pela mídia brasileira. Aquilo me despertou o interesse em saber melhor quem era Luiz Bonfá. Fiquei impactado com sua extensa obra e a agenda global que estabeleceu com sua música. Após escutar o maior número possível de canções e músicas para violão solo, fui pesquisar suas partituras. Tive a triste surpresa de encontrar pouquíssimas coisas, o que me deixou bem incomodado. Resolvi transcrever algumas obras suas do violão solo, o que deu um imenso trabalho e alegria. Com esse material em mãos, fiz uma pesquisa em nível de mestrado na USP e ainda vou publicar em livro os resultados. 

Para falar sobre o Bonfá teríamos que fazer uma entrevista só pra essa finalidade, mas para ter uma ideia, Bonfá nasceu em 1922, foi aluno de Isaias Sávio, na década de 1950 teve músicas gravadas por Dick Farney, tocou no memorável concerto de Carnegie Hall, em Nova Iorque no ano de 1962, com grandes nomes da bossa nova, como Tom Jobim e João Gilberto. Também foi parceiro e amigo do genial violonista Anibal Augusto Sardinha, o Garoto. Nos EUA, onde passou a maior parte da sua vida, gravou diversos discos e se apresentou no mundo inteiro. Compôs Manhã de Carnaval, que teve grande repercussão e foi gravada por inúmeros artistas, como Frank Sinatra. Almost in Love é a única música brasileira gravada por Elvis Presley e de autoria de Bonfá. Em minha pesquisa de mestrado fiz transcrição, edição e análise de algumas obras para violão solo desse músico. Transcrevi samba, choro, jazz, valsas e obras mais contemporâneas. Para o leitor, indico escutar o álbum Introspection, lançado pela RCA em 1972. É impactante. 

J) Agradecemos a gentileza da entrevista. Deixamos o espaço aberto para que você mande um recado aos nossos leitores:

Para finalizar nossa entrevista, quero salientar minha percepção sobre o impacto que a tecnologia e meio de comunicação trouxe na música do Brasil e mundo. Hoje você consegue gravar um CD em casa e claro que isso demanda esforço, mas há pouco tempo atrás, nem concebíamos essa possibilidade. Agora você grava em casa e divulga usando a internet. Essa lógica fez com que aumentasse a demanda e consumo da música. O século XII, que é altamente globalizado, pós-moderno e imediato também nos possibilitou conhecer diversos ritmos e estilos de artistas, que no mundo instantâneo a qual vivemos, aparecem e somem rapidamente, mas quando o trabalho não é apenas comercial, mas demonstra consistência e propósitos artísticos, se estende pelo tempo. Por isso vários artistas das antigas estão sempre em alta. 
(com a esposa Tabata Nascimento)

Acredito que a tecnologia sempre soma e traz inúmeros benefícios para a arte. Com a internet podemos conhecer um maior número de artistas e de forma rápida. Aumentou também a comunicação e intercâmbio entre os músicos e artistas em geral. Destaco que atualmente temos inúmeras plataformas digitais, que democratizou o acesso a todos e também é uma ferramenta facilitadora a pesquisa em música. Temos que usar a tecnologia e a comunicação a nosso favor, para potencializar nosso conhecimento e experiência com a música e cultura. Mais uma vez agradeço o espaço concedido para falar um pouco do meu trabalho e experiência.

Entrevistou Tiago Mayer, o jornalista e músico Aldo Moraes  (MTB 0010993/PR)

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