O blog Arte Brasil; instrumento de comunicação do Instituto Cultural Arte Brasil; tem a satisfação de entrevistar o músico, pesquisador e professor Tiago Mayer que bate um papo descontraido sobre infancia, artes e educação. Confiram que vale a pena!
ENTREVISTA COM TIAGO MAYER
A)
Prezado Tiago Mayer, conte um pouco sobre sua infância e seu inicio na
música.
Olá, Aldo Moraes, primeiro quero agradecer a você pelo convite a essa
entrevista ao blog Arte Brasil. Tive uma infância agradável, morava em uma casa
simples na cidade de Londrina e na década de 1980 brinquei bastante, jogava
bola na rua, ia para igreja com minha mãe, estudava em escola pública e no
início dos anos 1990 comecei a me interessar pela música. Não tinha em casa uma
influência para isso, mas quando vi minha irmã e alguns amigos daquela época
estudando violão com um professor particular, não quis ficar de fora.
A partir
desse momento a música e a cultura me envolveram. Passei por diversos
professores locais, até que encontrei o projeto Batuque na Caixa. Nesse projeto
comecei a ter as experiências de palco, uma agenda artística, que me motivava a
estudar ainda mais violão e guitarra. No Batuque fiz memoráveis viagens e
conheci diversos outros artistas. Não da pra listar tudo aqui, mas destaco a
viagem a Salvador, para tocar com o grupo Olodum no Pelourinho. Quando fiz 18
anos já dava aula de violão e guitarra particular, e no projeto Batuque na
Caixa. Nesse momento o caminho da música e cultura estava posto, não pensava em
outra coisa.
B) Você fez licenciatura
em música na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. Em seguida, você
parte para especializações. Conte um
pouco sobre essa caminhada.
Assim que sai do ensino médio, estava disposto a fazer uma faculdade de
música. A única opção em Londrina era a UEL. Pedi ajuda ao Aldo Moraes, que me
cedeu livros e gravações de música para me preparar para a prova específica de
música e também tive aulas particulares com o finado Marco Tureta para essa
finalidade. Entrei na licenciatura em música no ano de 2004. Foi um período
memorável e não consigo mensurar o tanto que cresci como pessoa e artista.
O
convívio e aprendizado com professores e colegas por 4 anos consecutivos me deu
um grande suporte, além de ter conhecido outros espaços culturais, lugares,
toquei em bandas, etc. Logo após a faculdade, ingressei na especialização em
educação musical na UEL e pude aprofundar um pouco mais nesse campo. Após ter
conseguido essas titulações acadêmicas, almejei fazer um mestrado. Como naquele
momento não tinha pós-graduação stricto
senso em música, não seria possível conseguir essa titulação em Londrina.
No ano de 2013 mudei para São Paulo, me inscrevi como aluno especial na USP,
fiz mais aulas particulares, agora com o professor Dr. Paulo Tiné e depois de
várias tentativas, consegui ingressar como aluno regular da USP no ano de 2017,
pela Escola de Comunicação e Arte (ECA), no programa de musicologia. Obtive o
título de mestre em 2019. Agora a meta é o doutorado.
C) Como você enxerga a
importância da educação musical nas escolas públicas e por meio dos projetos
culturais que ganharam inclusive importância social em vários cantos do Brasil?
Sempre acreditei na educação musical. A escola é o espaço de
transformação, que extrapola a função de ensinar as crianças e jovens a ler e
escrever, mas permite conhecer um mundo de cultura, diversidade e a estabelecer
relações sociais. Na escola se constrói a identidade, se prepara para o mundo
do trabalho e tem contato com a arte. Nesse ambiente maravilhoso, que é a
escola, a educação musical não pode ficar de fora. Além da contribuição para a
sensibilidade, criatividade, integração entre os alunos, ampliação do
conhecimento, destaco a educação musical por seu potencial em oferecer uma
educação a partir da música, que envolve a vivencia e experiência com os
ritmos, sons, melodias, instrumentos, corpo, canto, entre outros.
Nesse
intuito, o professor que utiliza em suas aulas a educação musical pode formar
bons ouvintes, intérpretes, compositores e dar base para o aluno que tenha
interesse em prosseguir profissionalmente com a música. Educação musical na
escola é uma parte da universalização da educação, o que é compatível em um
estado democrático. Em um projeto cultural, como é o caso do Batuque na Caixa,
a educação musical também tem esse viés, de tanto oferecer uma educação pela
música, como de socializar. Todo projeto cultural está entrelaçado com
objetivos sociais, pois tem o grande potencial de incluir justamente aquele que
tem poucas possibilidades e mobilidade.
Um projeto cultural alcança aquele
jovem cheio de potencial, que não teria recurso para pagar por aulas
particulares, pode também oferecer uma atividade no contra turno escolar e
preencher com arte e cultura um importante tempo do jovem. A educação musical
na escola e projetos culturais é caminho certo para resgatar os jovens e
oferecer uma cidadania plena pela arte.
D) Sei do seu trabalho de
pesquisa musical sobre o importante projeto Sentinelas de Londrina. Como você realizou a pesquisa?
Quando fiz especialização em educação musical na UEL, na monografia
pesquisei o trabalho que o Jorgisnei de Rezende fez ao liderar o Coral
Sentinelas. Pude me aproximar desse educador, no ano de 2010 e conversamos
muito sobre seu trabalho. Como escolhi o modelo de entrevista semiestruturada
para levantar informações para essa pesquisa, gravei diversas vezes nossas
conversas, para depois tabular toda essa informação e conseguir dar um norte
pra pesquisa.
Com isso, percebi duas perspectivas no trabalho de Jorgisnei. Um
era a preocupação que tinha com a educação musical, até por ser um músico
experiente e licenciado em música. Outra perspectiva era o resgate social que
promovia, pois tinha como público diversos alunos que estavam em
vulnerabilidade social. Jorgisnei tratava essas duas perspectivas em um mesmo
grau de importância e assim procurei fazer em minha pesquisa.
E) Quais desafios
encontrou no trabalho de recuperação da memória e pesquisa do Sentinelas de
Londrina?
Fazer o resgate da memória de um projeto já não é por si uma tarefa
fácil, mas tive o privilégio de contar com o Jorgisnei, que é muito organizado,
o que facilitou tudo. Jorgisnei registrava com fotos as apresentações, guardava
as reportagens que saia nos jornais, anotava os locais que se apresentava com o
Coral Sentinelas, fazia estimativa de público e relatório mensal das
atividades.
O trabalho que tive foi de organizar todo esse material, fazer uma
cronologia dos fatos, para entender como tudo aconteceu e conversar ainda mais
com Jorgisnei, para que pudesse lembrar os momentos vividos com o coral. Essa
organização mais apurada foi feita nesse ano de 2020 para a publicação de um
livro, que em breve vamos divulgar.
F) Como você avalia o
legado do professor e músico Jorgisnei Resende à frente do Sentinelas e o
impacto na cultura de Londrina?
Entrevistei alguns alunos do Jorgisnei, que integraram o Coral
Sentinelas. Fica evidente o impacto, pois falam do educador com muita estima e
agradecimento. O educador conseguiu se apresentar em diversos lugares e a mídia
local acompanhava essa movimentação. Jorgisnei fez algumas viagens com o grupo,
que ficaram gravadas na memória de todos envolvidos. Em 2003, logo no primeiro
ano a frente do coral levou o grupo para se apresentar em Curitiba no Palácio
do Iguaçu. Em 2004 foi se apresentar com o grupo em Foz do Iguaçu.
Nesse mesmo
ano gravaram o primeiro CD, o “Sementes de Deus”. Em 2005 gravaram o segundo
CD, intitulado de “A Arte Promovendo a Paz”. Enfatizo que Jorgisnei não
selecionava alunos por competência musical, mas bastava apenas ter interesse
pelo canto e querer aprender um pouco de música. O Coral Sentinelas funcionava
no contra turno escolar e o público eram os próprios alunos da escola. Quando
iniciou o grupo, Jorgisnei fez intensas atividades de musicalização, para
depois inserir o canto e formar o Coral Sentinelas. Jorgisnei tinha um público
de alunos, que em sua maioria enfrentavam variadas mazelas sociais e tinham
pouca ou quase nenhuma experiência com música.
Com esse pessoal conseguiu
formar um grupo e levar ao patamar de gravar dois CDs de excelente qualidade,
além de criar uma agenda local e nacional de apresentações. Sendo assim, podemos
dizer que o Jorgisnei impactou a vida de muitas pessoas, bem como a cultura em
Londrina. Possivelmente em setembro de 2020 vou lançar um livro sobre essa
caminhada de Jorgisnei no Coral Sentinelas. É uma história de superação,
alegria, afeto e muita música. Vai ser uma alegria possibilitar que mais
pessoas conheçam o trabalho de Jorgisnei, que pode inspirar outros projetos
musicais e artísticos.
G) Como o músico Tiago
Mayer vê a música atualmente no Brasil e no mundo?
Vejo com otimismo. O Brasil é um terreno fértil para música, que pelo
seu tamanho e diversidade produz uma variedade de ritmos e artistas. Temos que
tomar o cuidado para não pensar e analisar a música do Brasil unicamente pelo
que acontece ao nosso redor ou na mídia, pois pela extensão do nosso país, diferentes
tendências podem ocorrer ao mesmo tempo. A música no Brasil sempre foi admirada
pelo mundo e assim permanece.
O músico brasileiro tem espaço e público em todo
canto por sua musicalidade e criatividade, então acredito que a música no
Brasil vai bem. Pensando na música feita no mundo, hoje temos a internet como
aliada e em pouco tempo você consegue ter acesso a alguma música ou expressão
artística feita em qualquer canto. Com isso você também consegue divulgar com
velocidade e atingir um público ideal para o seu trabalho musical.
A internet e
tecnologia ressignificou a escuta musical no mundo e possibilitou um acesso
mais rápido. Lembro quando se tornou possível baixar música e usei intensamente
desse recurso para ampliar meu repertório. Foi ótimo, pois pude até conhecer obras
completas de vários artistas que admirava e expandir minha experiência e senso
estético musical. Além da música brasileira, tenho interesse no jazz, na música erudita, no rock e gosto de escutar outras
expressões étnicas, como a música indiana e árabe.
H) O leitor sempre está
atento às dicas do próprio autor. Você fez arranjos, composições e formou o
Farofa Duo com Leopoldo Nantes. Que obras você destaca em seu catálogo de
composições?
Na faculdade formei o Farofa Duo com o Leopoldo Nantes. O nome farofa
veio do pensamento de uma mistura, que é toda nossa influência musical.
Compomos as músicas enquanto estávamos na faculdade, sou feliz e grato por ter
lançado o CD Espontâneo em parceria com o Leopoldo. Difícil selecionar uma
música do nosso disco, mas Baião da Terra, Chuva Fina e Elisa são canções que
escuto com a sensação e encanto de que é a primeira vez.
Outro interesse que
tive foi pela composição de músicas com canto. Trabalhei um tempo com o finado
maestro Roberto Panico, que me confiou arranjos para seu grupo vocal da Casa de
Cultura de Londrina. Tive a honra de fazer arranjos para coro e orquestra a
pedido do Roberto Panico para o musical A Galinha Ruiva. Foi uma experiência
maravilhosa. Tenho um ciclo de canções para coro, que ainda preciso revisar,
fazer algumas correções e buscar um meio de lançar. Há também algumas canções
soltas, como um blues que fiz e o
Daniel Bussi gravou em um disco do Zazou Wave.
(Com Leopoldo Nantes, no Farofa Duo)
I) Fale um pouco da
experiência em investigar a obra de Luiz Bonfá
Uma vez fui para o Rio de Janeiro e passei na casa do amigo Jorge de
Mello. Em uma ocasião ele me disse: porque você não pesquisa sobre Luiz Bonfá,
que é um músico de alto nível e foi “esquecido” pela mídia brasileira. Aquilo
me despertou o interesse em saber melhor quem era Luiz Bonfá. Fiquei impactado
com sua extensa obra e a agenda global que estabeleceu com sua música. Após
escutar o maior número possível de canções e músicas para violão solo, fui
pesquisar suas partituras. Tive a triste surpresa de encontrar pouquíssimas
coisas, o que me deixou bem incomodado. Resolvi transcrever algumas obras suas
do violão solo, o que deu um imenso trabalho e alegria. Com esse material em
mãos, fiz uma pesquisa em nível de mestrado na USP e ainda vou publicar em
livro os resultados.
Para falar sobre o Bonfá teríamos que fazer uma entrevista
só pra essa finalidade, mas para ter uma ideia, Bonfá nasceu em 1922, foi aluno
de Isaias Sávio, na década de 1950 teve músicas gravadas por Dick Farney, tocou
no memorável concerto de Carnegie
Hall, em Nova Iorque no ano de 1962, com grandes nomes da bossa nova, como
Tom Jobim e João Gilberto. Também foi parceiro e
amigo do genial violonista Anibal Augusto Sardinha, o Garoto. Nos EUA, onde
passou a maior parte da sua vida, gravou diversos discos e se apresentou no
mundo inteiro. Compôs Manhã de Carnaval, que teve grande repercussão e foi
gravada por inúmeros artistas, como Frank Sinatra. Almost in Love é a única música brasileira gravada por Elvis
Presley e de autoria de Bonfá. Em minha pesquisa de mestrado fiz transcrição,
edição e análise de algumas obras para violão solo desse músico. Transcrevi
samba, choro, jazz, valsas e obras mais contemporâneas. Para o leitor, indico
escutar o álbum Introspection,
lançado pela RCA em 1972. É impactante.
J) Agradecemos a gentileza
da entrevista. Deixamos o espaço aberto para que você mande um recado aos
nossos leitores:
Para finalizar nossa entrevista, quero salientar minha percepção sobre o
impacto que a tecnologia e meio de comunicação trouxe na música do Brasil e
mundo. Hoje você consegue gravar um CD em casa e claro que isso demanda
esforço, mas há pouco tempo atrás, nem concebíamos essa possibilidade. Agora
você grava em casa e divulga usando a internet. Essa lógica fez com que
aumentasse a demanda e consumo da música. O século XII, que é altamente
globalizado, pós-moderno e imediato também nos possibilitou conhecer diversos
ritmos e estilos de artistas, que no mundo instantâneo a qual vivemos, aparecem
e somem rapidamente, mas quando o trabalho não é apenas comercial, mas demonstra
consistência e propósitos artísticos, se estende pelo tempo. Por isso vários
artistas das antigas estão sempre em alta.
Acredito que a tecnologia sempre
soma e traz inúmeros benefícios para a arte. Com a internet podemos conhecer um
maior número de artistas e de forma rápida. Aumentou também a comunicação e
intercâmbio entre os músicos e artistas em geral. Destaco que atualmente temos
inúmeras plataformas digitais, que democratizou o acesso a todos e também é uma
ferramenta facilitadora a pesquisa em música. Temos que usar a tecnologia e a
comunicação a nosso favor, para potencializar nosso conhecimento e experiência
com a música e cultura. Mais uma vez agradeço o espaço concedido para falar um
pouco do meu trabalho e experiência.
Entrevistou Tiago Mayer,
o jornalista e músico Aldo Moraes (MTB
0010993/PR)
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