segunda-feira, 25 de maio de 2020

ARTE BRASIL: ENTREVISTA COM RICARDO TACUCHIAN


Compositor, maestro, professor universitário brasileiro, Ricardo Tacuchian, nasceu a 18 de novembro de 1939, no Rio de Janeiro (Brasil).

Descendente de uma família da Arménia que imigrou para o Brasil, Ricardo Tacuchian, sob a influência paterna, iniciou os estudos musicais com Nelly Adelino dos Santos e aos 9 anos de idade começou a compor.

Uma das grandes trajetórias musicais do Brasil, Tacuchian nos conta seu início, os estilos que abordou, os desafios na presidência da Academia Brasileira de Música e o panorama da cultura nos dias atuais:


a)      Prezado compositor Ricardo Tacuchian, conte um pouco sobre sua infância e seu inicio na música

Nasci numa família muito modesta. Em casa ouvíamos, principalmente, a programação clássica da Rádio Ministério da Educação e Cultura, como era chamada na época a atual Rádio MEC.

Nas férias eu frequentava um cinema de bairro onde eu me encantava com os filmes musicais americanos, especialmente as biografias romanceadas de músicos famosos. Às vezes, nas férias, eu ia para o Norte Fluminense, onde morava minha avó, e entrava em contato com o rico folclore da região e com as bandas de música, que também eram muito comuns no Rio, na minha infância.

Meu pai tocava de ouvido, nas horas vagas, um bandolim napolitano que eu guardo como reliquia até hoje. Todo ano eu comprava no jornaleiro um cordel com todas as letras de sambas e marchinhas de carnaval e que eu sabia de cor. Uma vizinha, que acabara de se formar no então Instituto Nacional de Música da Universidade do Brasil se ofereceu para me dar aulas de piano. Eu tinha 9 anos de idade.

Três anos depois eu entraria no Instituto de Música, completando todo o Curso de Piano. Lá eu entrei em contato com a obra para piano (ou cravo) de Bach, Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Schumann, Mendelssohn, Liszt, Shostakovitch,  Khachaturian, Lorenzo Fernandez, Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos, entre muitos outros.

Com 11 anos assisti, pela primeira vez, óperas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (a Carmen de Bizet e a Flauta Mágica de Mozart). Só depois de adulto fui estudar Composição e Regência, conhecer os compositores contemporâneos e completar meus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos.


b)      Com que conceito estético você inicia sua vida como compositor?

Meu mais importante mestre foi o Maestro José Siqueira. Ele era um nacionalista apaixonado e seguidor da doutrina de Mario de Andrade, autor que eu li com atenção. Também tive aulas informais de composição com Francisco Mignone que, oficialmente, era meu Professor de Regência. Assim, nos anos 60 minha música era fortemente influenciada por raízes nacionais. A minha virada estética para uma linguagem mais vanguardista, como se chamava na época, se deu nos anos 70, depois de um período de estudos com Claudio Santoro.



c)      Como você enxerga a importância da educação musical nas escolas públicas e por meio dos projetos culturais que ganharam inclusive importância social em vários cantos do Brasil?
Comecei minha vida profissional como Educador Musical, na década de 60. Trabalhei como professor de Educação Musical por cerca de 10 anos, dirigi coros e bandas juvenis e adquiri uma razoável experiência nesta atividade. Mesmo depois que passei a ensinar em nível superior e assumi com mais intensidade a carreira de compositor, sempre me considerei um Educador.

Felizmente, vejo que hoje há um reconhecimento da importância da música, não só como processo educativo em geral, mas também como um fator de reafirmação de jovens de comunidades carentes.



d)      Conheço suas séries musicais temáticas Estruturas para diversas formações instrumentais. Fale um pouco sobre o conceito deste trabalho.

As Estruturas, em número de oito, foram escritas na década de 70, justamente quando eu passei por uma radical virada estética. O Nacionalismo já tinha me oferecido tudo que eu podia colher. Era necessário percorrer novos caminhos. No mundo inteiro, vários movimentos sociais e artísticos estavam rompendo com a tradição. Eu segui esta tendência.


Na verdade, a Vanguarda dos anos 70, para mim, foi mais uma negação dos cânones que eu seguia até então. Foi quase um negacionismo da melodia tradicional, da harmonia como se entendia até então, do contraponto linear, dos ritmos regulares e da orquestração a maneira de Berlioz ou Korsakov. 

Ao lado disso, passei a valorizar muito mais o timbre e a textura. Na década seguinte eu superei as polaridades do “ou isto ou aquilo” e adotei a postura do “isto e aquilo” (pós modernidade).



e)      Como o músico Ricardo Tacuchian vê a música contemporânea no Brasil e no mundo?

Não existe um único caminho. Há compositores extremamente experimentais e outros mais conservadores, formalistas e aleatórios, melodistas e exploradores de massas sonoras, minimalistas e maximalistas, acústicos, eletrônicos e mistos, pré-modernos e pós-modernos. Mas em qualquer caso ou qualquer linguagem, o verdadeiro compositor deve ter algo pessoal a dizer. E esta capacidade, eu acredito, é inata e não se aprende.

f)       O leitor sempre está atento às dicas do próprio autor. Que obras você destaca em seu catálogo de composições?

As músicas são como filhos. Todas têm o seu apreço do compositor, desde uma singela melodia para um instrumento solo até uma complexa obra com densa força instrumental e vocal. No meu caso, que já estou chegando perto de 300 composições, fica muito difícil destacar esta ou aquela música. Além disso, nem sempre o que o compositor mais gosta é aquela que o público recebe melhor. Mas para não deixar a pergunta sem resposta vou citar apenas três obras para orquestra: a) Dia de Chuva (numa linguagem clássico-nacionalista); b) Estruturas Sinfônicas (numa linguagem vanguardista); Sinfonia das Florestas (numa linguagem pós-moderna).



g)      Ao longo da sua carreira, você encarou o desafio da gestão cultural como a presidência da Academia Brasileira de Música. Fale um pouco dessa experiência.

No mundo da música tive experiências múltiplas: fui Educador Musical, Pianista, Regente, Animador Cultural, Pesquisador e Musicólogo e Gestor. Entretanto meu principal objetivo foi sempre a Composição à qual, hoje em dia, me dedico com exclusividade.

No passado, tive algumas experiências como gestor: fui Presidente do Diretório Acadêmico da Escola de Música por dois mandatos, Coordenador dos Cursos de Pós-graduação em Música da UFRJ, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UNIRIO e membro de inúmeras comissões administrativas ou consultivas, inclusive no exterior.

Na Academia Brasileira de Música fui Presidente em quatro mandatos e o responsável por sua recuperação, depois de um período que ela quase desaparecia. No início de meu primeiro mandato eu me inspirei em Francisco Mignone que tinha sido o Presidente da Academia alguns anos antes.





h)      Agradecemos a gentileza da entrevista. Deixamos o espaço aberto para que você mande um recado aos nossos leitores e links para suas redes sociais, site e vídeos de concertos com suas obras:

Como compositor, considero que toda música tem três autores. O primeiro é o compositor propriamente dito. O segundo é o intérprete que recria a obra a partir do que o compositor escreveu, mas de acordo com a sua própria sensibilidade. O terceiro é o ouvinte que, ao receber a mensagem musical, a decodifica em seu cérebro, estabelece conexões prévias e constrói um mágico mundo estético. E isto varia de ouvinte para ouvinte.

Uma partitura não é uma música, mas muitas, porque cada intérprete terá a sua própria versão e cada ouvinte numa plateia a receberá de uma forma especial. A música é um organismo vivo.


Entrevistou Ricardo Tacuchian, o jornalista e músico Aldo Moraes  (MTB 0010993/PR)



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