O Grande Intérprete
Hoje, 1º de agosto, o cantor Ney Matogrosso faz 70 anos de idade. Ney declarou à uma revista que não se sente velho e que está envelhecendo bem, cuidando do corpo, da mente e da voz. Ney nem precisava dar tal declaração, pois todos reconhecemos à olhos vistos, que o cantor está em ótima fase: com seu corpo, sua potência vocal e sua criatividade.
A contribuição de Ney ao canto, à performance e à diversidade da MPB, é relevante e traça uma trajetória única em nossa cultura. Dos trabalhos em Secos & Molhados (anos 70 ), os discos pop ( anos 80 ) e o minimalismo das interpretações com Arthur Moreira Lima, Raphael Rabello e na dedicação aos trabalhos de Chico Buarque, Cartola, Tom Jobim e Heitor Villa Lobos ( anos 90 e 2.000 ).
Seu canto é limpo, com perfeita dicção e sua voz cria dinâmicas ao longo de uma canção em referência direta ao canto lírico. Alias, no disco ( ao vivo, 1986 ) O Pescador de pérolas ( com Moreira Lima, ao piano ), Ney interpreta Bizet e Carlos Gomes, e no” Cair da tarde”, celebra canções do mestre Villa Lobos em adaptação acústica, no mais puro lirismo brasileiro.
O repertório do Pescador de Perólas, apresentou clássicos da música brasileira e latina (Dos Cruces de Carmelo Larrea e a célebre Bésame mucho de Consuelo Velásquez - compositora mexicana), uma ária de ópera ( Mi Par D'udir Ancora - I Pescatori di Perle de Bizet), foi apresentado no teatro Carlos Gomes (compositor campineiro a quem homenageou com a canção Quem sabe, no repertório deste) e contou com a participação especial de quatro músicos: Rafael Rabello (violão), Arthur Moreira Lima (piano), Paulo Moura (sax) e Chacal (percussão).
O trabalho com o violonista Raphael Rabello realiza ousada interpretação de canções dos anos 40 e 50, a chamada época de ouro da música brasileira. São autores como Noel Rosa, Adelino Moreira, Herivelto Martins, Cartola e Ary Barroso que trazem um violão místico, solar e parceiro da voz ( não um mero acompanhante ) no álbum e show À flor da pele. Este é sem dúvida um dos grandes momentos do violão à serviço da canção brasileira.
“Cair da tarde” é uma espécie de lied erudito e “Modinha” faz parte da coleção 14 Serestas, ambas do vasto repertório de Heitor Villa Lobos e cantadas por sopranos e em versão para tenor, em muitas partes do mundo. Estas canções fazem parte do disco “O cair da tarde”, que Ney gravou em 1997, ao lado do pianista e maestro Leandro Braga e que trazem também, canções intimistas de Antônio Carlos Jobim.
Ney; fica claro na gravação; se dedica a cada verso, cada fraseado e cada canção como verdadeiras perólas a serem desenhadas, conforme suas características especiais e individuais, a serem liberadas para deleite do ouvinte. Pois com ele, é preciso afinar a percepção e todos os sentidos, para que não se perca nada, para que se achegue mais ao íntimo da canção. Ney é um faxineiro das canções, tal como nominado no célebre disco de Eliseth Cardoso, também com Raphael Rabello e com texto de Hermínio Bello de Carvalho. Pertence àquela categoria dos grandes intérpretes: aqueles que pesquisam, relêem, investigam novos compositores e sobretudo reinventam músicas. E as tornam novas, numa espécie de renascimento, na entrega de antigas canções para novas gerações.
Neste disco, o cuidado com a escolha do repertório se percebe pela escolha de lieds, serestas, temas folclóricos recolhidos e as cirandas; que de certa forma apresentam ao ouvinte de MPB, a múltipla faceta do compositor Villa Lobos, autor de concertos, vasta música de câmara e de piano.
Do maestro soberano Jobim, praticamente resgata canções não ouvidas e dá à Águas de março, o privilégio de ser a mais conhecida do álbum. Modinha, Tema de Gabriela, Sem você e Canção em modo menor foram trazidas à luz e força da sua voz e verdade de cantar.
Mais recentemente, Ney lançou discos fortes como Ney e Pedro Luís e a Parede ( 2005); Inclassificáveis ( 2007) e Beijo Bandido ( 2009). Beijo bandido tem produção de Paulo Junqueiro e Victor Kelly, que conta com a participação especial de quatro músicos: Leandro Braga (piano), Ricardo Amado (violino e bandolim), Felipe Roseno (percussão) e o multiinstrumentista Lui Coimbra (violoncelo e violão), trazendo músicas inéditas e regravações. Em janeiro de 2011 lançou um registro ao vivo da turnê homônima, em forma de CD ao vivo e DVD.
Em março de 2009, Ney protagonizou o filme Luz Nas Trevas, de Helena Ignez, roteiro de Rogério Sganzerla, continuação do filme O Bandido da Luz Vermelha, de 1968.
Página oficial do cantor: www.uol.com.br/neymatogrosso
Texto de Aldo Moraes ( compositor )
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