Ao
lado das sonatas de Beethoven e das fugas de Bach, das dissonâncias de
Strawinski e Villa Lobos, ao lado da sanfona de Luiz Gonzaga e dos sambas
tradicionais dos mais diversos e geniais compositores, o rock nacional dos anos
80 fez minha cabeça.
Adolescente,
vi as passeatas pelas Diretas Já, a eleição e morte de Tancredo Neves.
Participei
de protestos e passeatas, apanhei da polícia e não podia comprar alguns discos
porque eram vetados a menores de 21 anos.
A
inflação era incontrolável, não se passava uma semana sequer sem escândalos e
políticos em maus lençóis.
Havia
um grito na garganta porque o ambiente repressivo contaminou a escola, a
igreja, a família e o momento era de tensão, mas de sonho também.
E
foi neste cenário, que silenciosos e devotados eu e alguns amigos do
Senai/Londrina, nos reuníamos no porão da casa do William para ouvir quase num
estado de oração discos seminais como Cabeça Dinossauro (Titãs), Barão Vermelho
1983/84, Selvagem (Para Lamas do Sucesso), Ao Vivo! (RPM) e II (Legião Urbana).
Aquele
Renato Russo interrompendo uma faixa anterior que vinha no maior embalo rock e
fazendo uma canção ao violão, em que sua voz e poesia se faziam tão cortantes
quanto um solo de guitarra era demais...
Russo
misturava filosofia, urbanidade, exploração de operários e gritos contra a
ditadura militar com lirismo e referências poéticas. Realmente aquilo nos
acendeu uma luz de que algumas coisas estavam acontecendo nas capitais e
passamos a refletir e montar nossas próprias bandas.
Tive
com um amigo da Londrimalhas uma banda: eu nos vocais, violão e composição;
Ernesto na guitarra, William no contrabaixo e havia um outro menino na bateria
(que não me lembro o nome).
"Guerra
na terra
pavor
no ceú
o
homem erra
e
o mel hoje é fel..." ( é o refrão do nosso primeiro rock autoral).
Mas
também vi nascer outras bandas que estão na memória e na história do rock
londrinense: Pequena Londres, Banda Cairo, Vírus do Ipiranga, Convulsão, Beco.
Selvagem
foi uma experiência interessante porque Herbert Viana flertava com a MPB de
Gil, Tim Maia e Mestre Marçal. E começava a se desenhar nas principais bandas
do país esta ligação com a canção romântica, a MPB, o samba e letras cada vez
mais bem elaboradas.
Ao
mesmo tempo, é um disco de destaque para a guitarra rocker de Viana e com muito
tempero reggae. A descontração de algumas faixas contrasta com a rebeldia e o
grito inconformado sobre O homem, Teerã, a fome, alagados e a política na faixa
titulo.
Tive
a oportunidade de ver ao vivo e com a formação original shows dos Titãs, Pára
Lamas, Legião Urbana, RPM, Kid Abelha, Ira! e Engenheiros do Hawai. E lamento
não ter visto o Barão Vermelho com Cazuza nos vocais.
O
Barão com a poesia de Cazuza escarrada na nossa cara como um soco de verdades e
ironias, era o rock”nroll com base no blues que tanto amamos naqueles anos. Bete
Balanço, ando tão down, por que que a gente é assim? e Pro dia nascer feliz
fizeram nossas noites e embalaram nossos muitos gritos de rebeldia.
E
finalmente, completando também seus 30 anos de idade surge “Passos no escuro”,
o disco de estréia da Banda Zero (as gravadoras lançavam um vinil com 4 músicas
para sentir a receptividade do público. Era o costume dos anos 80).
Guilherme
Isnard concebeu uma banda diferente das demais com a estrutura musical baseada
na guitarra, teclado e baixo, sendo guitarra solo e bateria adicionais no
processo do arranjo.
Isnard
falava de política também, mas centrava fogo muito mais nas questões
filosóficas que atormentam o homem: o desejo, o ser e não ser, os sonhos
impossíveis da alma, o sofrimento que vem do prazer pelo prazer...
Os
anos se passaram e estamos aqui falando dos 30 anos de estrada destas bandas
pop rock brasileiras.
Como
dizia Tom Jobim: “nada como o tempo para passar... Chama-se a isto:
passatempo...”.
Aldo
Moraes
Músico
e Escritor
*
na foto de 1987, no Auditório do Senai Londrina: Aldo Moraes (vocal); William
(baixo), Enéas (percussão) e Ernesto Bardasson Barbosa (guitarra).
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