terça-feira, 9 de junho de 2020

HOMENAGEM A PEDRO NAVA: TEXTO DE NELSON BRAVO

Caro Aldo Moraes,

Nunca publiquei este texto sobre o genial memorialista e médico PEDRO NAVA em qualquer jornal.  
Neste 5 de junho, ele faria 117 anos.  E como o conheci pessoalmente e estive em seu enterro, com Drummond, como relato nesta matéria, caso v. queira publicá-lo, fique à vontade.  

Forte abraço.

Nelson Bravo

 
HOMENAGEM A PEDRO NAVA, MÉDICO, ESCRITOR E HUMANISTA.

Ao dar desfecho à própria vida, na noite de 13 de maio de 1984, Pedro da Silva Nava também colocava um ponto final em suas memórias e uma interrogação em todos nós, seus amigos e admiradores, justamente quando havia alcançado as culminâncias da nossa cordilheira literária, iniciada com a publicação de Baú de Ossos, em 1972, no limiar dos seus sessenta anos.

Caso único em nosso meio intelectual, Pedro Nava despertou assombro e admiração ao empreender, no ocaso da vida, esse trabalho catedralesco, abrangendo grande parte da vida social brasileira, desdobrado, ainda, nos volumes Balão cativo e Chão de ferro (1976), Beira-Mar (1978), Galo das Trevas (1981) e O Círio Perfeito (1983).

Ao facultar-nos o acesso às suas memórias, Nava revelou-nos um vasto painel humano e de interesse documental inquestionável, cuja fruição só nos enriquece moral e culturalmente, sobretudo por ter sido elaborado num país onde a própria memória oficial é tratada com descaso e omissão. E quando alguém anota, investiga, preserva e torna público um manancial de apontamentos pessoais como este, restaura em todos nós um pouco da nossa própria identidade, fazendo-nos reavivar valores que julgávamos soterrados em nós mesmos, sobretudo na vida dissipada das grandes metrópoles.

Conheci Pedro Nava e posso assegurar que foi um homem admirável sob todos os aspectos, exemplo perfeito de civilidade e decência. Nos últimos tempos, contudo, mesmo com seu sorriso suave, deixava transparecer seu desencanto pela vida e pelo mundo, mas sem destilar amarguras. Parecia querer desculpar-se pelo sucesso, colhido quase involuntariamente, ele que jamais direcionara sua vida para esse objetivo, talvez intuindo que quem assim procede, não pode ser feliz, nem levar felicidade aos outros.

Pedro da Silva Nava nasceu em Juiz de Fora, em 1903, onde passou parte da infância e fez seus primeiros estudos, prolongados, mais tarde, no Rio, no Colégio Pedro II e, finalmente, em Belo Horizonte, onde concluiria o curso de Medicina em 1929, tendo como colega de turma Juscelino Kubitschek, futuro Presidente da República e seu amigo de toda a vida.

Lá, travou contato com Drummond, Afonso Arinos, Emílio Moura, João Alphonsus, Gustavo Capanema, Abgar Renault e outros amigos intelectuais, levando vida boêmia e descompromissada, quando também conheceu, em 1924, os modernistas Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e o poeta francês Blaise Cendrars, que visitavam a cidade e exerceriam sobre ele forte influência.

Após formado, tenta a vida em Juiz de Fora, onde se sente solitário e deslocado, chefiando um posto médico.  É quando decide seguir para Monte Aprazível, no interior paulista, como Clínico Geral, eventualmente Cirurgião e até parteiro, conforme exigiam as circunstâncias. Na verdade, ele gostaria de seguir carreira como Cirurgião, após formar-se, desistindo da pretensão ao constatar que o monopólio médico no setor era fechadíssimo, e a ele só teriam acesso os familiares dos próprios Cirurgiões ou gente muito favorecida.

Em Monte Aprazível retomaria o contato com seu colega de Faculdade Joaquim Nunes Cavalcânti Coutinho, a melhor pessoa que Nava conheceu – foi amigo até de Che Guevara –, cuja fidelidade à Medicina, dedicação absoluta aos pobres e desvalidos eram suas marcas características, além do apoio irrestrito aos jovens médicos que ali se iniciavam na profissão, quando o natural seria mantê-los à distância, como potenciais concorrentes, o que lembrava São Francisco de Assis, como ressaltado pelo  próprio Nava.

Como evocação de sua militância junto ao Modernismo, lembramos que somente em 1982, cedendo à pressão de amigos e editores, publicaria o livro Correspondência Contumaz, autografado por ele, em noite festiva no Clube Marimbás, em Copacabana, contendo as cartas de Mário de Andrade.  

 Ao mergulhar em suas memórias para trazer à tona apontamentos de toda uma vida e várias gerações, Nava talvez ignorasse que um mar de incompreensão estaria à sua espreita, pelo incômodo de revelações pouco louváveis sobre pessoas e fatos, muitos destes vinculados à crueldade, violência e injustiça que permeiam a nossa história em todas as épocas. Expressiva parte dessas memórias privilegia o meio médico, terreno pedregoso por ele palmilhado por cerca de cinquenta anos, mesmo seguindo na contramão dos colegas carreiristas para, assim, demarcar com clareza suas posições. A rivalidade grosseira, ciúmes, ambição e falta de solidariedade entre os próprios colegas mereceriam de Nava severas restrições.

Reconhecia, contudo, a existência de exceções e até escreveu que os próprios médicos deveriam ter mais compaixão uns com os outros, em vez de se devorarem mutuamente. Isso, tendo em conta que ele conhecia as asperezas da profissão, sujeita às contingências e contágios, nesse tipo de vida que exige muito mais doação do que fruição.

De sua parte, sempre cuidou de usar de cortesia e urbanidade no trato diário com seus pacientes e colegas. Com estes, dizia, ainda era necessário maior precaução, por saber que “é gente desconfiada, exigida e eriçada”.  Essa cordialidade fraterna e respeitosa que marcava sua relação com seus colegas médicos, ele dizia ter sido uma das inúmeras lições aprendidas de Miguel Couto, para ele referência obrigatória na Medicina e também mestre na diplomacia médica.
 
Quanto à hipótese de retornar a Juiz de Fora, aventada junto a ele por um repórter, quando já estava avançado em anos, dizia ser uma impossibilidade comparável a Drummond voltar a Itabira. “Nossa Juiz de Fora e nossa Itabira estão aqui no Rio”.

Ao lançar suas memórias, Nava declarou: “Vi cedo que escrever recordações dói, punge, castiga e dilacera”. Aliás, antes de virem a público, seus escritos só eram conhecidos de Drummond, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Mas já havia, então, um consenso entre eles: ali estava uma obra pronta, e a Fernando Sabino, também escritor e editor, caberia a iniciativa para o lançamento do primeiro volume, sugerindo a organização, pelo próprio memorialista, do ciclo lógico, cronológico e afetivo daqueles papéis.

Para Nava, o escritor deveria estar engajado com as suas ideias, já que sua única arma é a palavra, que devia ser usada em defesa dos seus ideais, do seu pensamento e da política que ele achasse melhor para o seu país. Nesse aspecto, citava como exemplo Castro Alves.

Mesmo após ser catapultado, da noite para o dia, como memorialista de renome e prestígio, ele não se julgava um escritor completo, achando que poderia ter feito coisa melhor.

Entretanto, sabemos que Nava era um homem perfeccionista e de extremo rigor em tudo que fazia, exigindo sempre o melhor de si mesmo, posto que antipatizava com o amadorismo. E, ao partir para a nova empreitada, tratou de se “desprofissionalizar, se deseducar”, uma forma que encontrou para tentar tirar de si imposições autoritárias recebidas da escola, da família e da educação formal, que ele sabia ser cheia de entraves e preconceitos.

 A partir daí, Nava passou a ritualizar seu cotidiano com eficiência e método, para arejar sua velhice, “em busca do tempo perdido”, como Proust, mas sem chegar aos exageros do mestre francês que, para não ser perturbado pelos ruídos externos enquanto escrevia sua obra monumental, mandou forrar de cortiça as paredes do seu apartamento parisiense no térreo do nº 102 do Boulevard Haussmann, local onde habitou sozinho por quinze anos.

Nava descartava com bom humor todos os convites dos próprios acadêmicos para que ingressasse na Academia Brasileira de Letras, dizendo que, embora lá tivesse inúmeros amigos, ela era solene demais para o seu espírito moleque e jovial.

E se foi uma surpresa para muitos o sucesso de Pedro Nava como escritor, para alguns amigos seus, ligados à Medicina, o impacto nem foi tanto: ele já publicara cerca de trezentos trabalhos sobre a sua especialidade, a reumatologia, aqui e no exterior. A propósito, fruto de seus méritos profissionais, ele também presidira a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a Pan American League Against Reumatism, além de ter sido Diretor do Hospital dos Servidores do Estado de São Paulo durante o governo JK, entre outros cargos em órgãos públicos. O último deles, ligado à preservação da memória do Rio de Janeiro, cidade que ele tanto amou.

Para Nava, o carioca era um povo acolhedor, incapaz de fazer restrições às pessoas de qualquer outro Estado. Achava os paulistas bairristas demais, os mineiros muito fechados e desconfiados, e os sulistas separatistas.  Devido às suas origens, dizia-se um “brasileiro com um pé no cangaço do nordeste e outro no cangaço de Minas”. Quanto ao Ceará, uma de suas raízes, lembramos que lá também nasceu sua prima, Rachel de Queiróz, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras.

O caos social que hoje assola o Brasil, Nava atribuía à inépcia dos políticos, incapazes, segundo ele, de diagnosticar o país, função primordial de um médico quando vai cuidar do paciente; e a violência que tanto o inquietava, então somente visível nas camadas despossuídas da população, teria sido iniciada pelas classes abastadas. Sua labuta diária, por anos a fio, como médico do subúrbio, no Rio, ampliaria sua visão da questão social, provocando-lhe grande desilusão quanto ao futuro do país.

Com a crueza e honestidade habituais, Nava também criticava a inconsciência de alguns colegas almofadinhas, dizendo: “Eu não conheço nada mais irritante, nada mais dolorosamente injusto que o ar de superioridade adotado por certos médicos, engrenados no carreirismo deselegante, quando se referem ao colega do subúrbio.”

Sobre a solidão do médico idoso, reconhecia que ela era devida, em parte, à “perda de contato com os clientes”, muitas vezes provocada pela concorrência dos mais jovens, que a seu ver marginalizavam os mais velhos, apenando, paradoxalmente e com mais rigor, professores, como ele, que “formavam e ajudavam a melhorar o saber dos seus alunos, seus futuros dominadores e algozes.”

Dentre as lembranças do Rio antigo, registra ter conhecido pessoalmente escritores como João do Rio (Paulo Barreto), Coelho Neto e Olavo Bilac, todos a ele apresentados por seu tio Antônio Salles, jornalista e homem de letras. Mas quem ele mais gostou de conhecer foi Lima Barreto, que apesar de não estar muito sóbrio, deixou-lhe forte impressão: “Quando meu tio me apresentou a ele, estava muito bêbado e fiquei muito assustado. Segurou a minha mão e não queria largar. Eu, menino, fiquei horrorizado com aquele sujeito olhando assim (olhar turvo). Tinha o cabelo muito ruim, pixaim mesmo, mas sua pele era da cor da minha. Era feio pela bebida, pelo desleixo, pelo aspecto de sujeito que dormiu na rua. Hoje, olhando seus traços nas fotografias,  vejo que ele era doce e simpático, Bilac era distante, alto. Vi Rui Barbosa várias vezes.  A Avenida, naquela época, era uma espécie de passarela.” Conforme entrevista ao jornal PASQUIM, em meados de 1981. Na ocasião, lembro que jantei com meu amigo Jaguar, no Jangadeiros, em Ipanema, após a entrevista do Nava ao seu jornal, quando ele me disse ter achado o memorialista um homem sensacional – seu parente distante – e uma das maiores figuras que conheceu pessoalmente. 

Curiosamente, é de Pedro Nava, e não de Juscelino Kubitschek a redescoberta da música “Peixe Vivo”, de autor desconhecido, e utilizada por JK em suas campanhas políticas. Outro dado interessante de suas memórias é a utilização do personagem Egon (mistura de ego, mais o “n”, de sua inicial Nava), ou José Egon Barros da Cunha, forma que adotou para tratar com mais liberdade certos assuntos em que se sentia inibido para narrar na primeira pessoa.

Registre-se, também, com um toque de graça e bom humor, que Pedro Nava preservava em sua casa e no consultório, mesmo que inconscientemente, tradições que nos remetem, de imediato, às suas origens mineiras: em casa, mantinha, até o final da vida, uma mesa dotada de um providencial gaveteiro, muito usado no interior de Minas, para esconder a comida, no caso da chegada de alguma visita inoportuna; no consultório, mandou atarraxar e parafusar a cadeira dos pacientes ao chão, para evitar o excesso de intimidade dos doentes, e preservar seu espaço pessoal, segundo ele, necessário ao exercício da profissão.

Do ponto de vista filosófico, declarava-se agnóstico, só acreditando nas coisas que pudesse provar. Julgava-se um homem de cultura cristã, por ter sido criado dentro de uma família católica, “embora não muito ardente”. Mesmo assim, evocou com nostalgia as missas celebradas em latim, nas suas memórias, ao tempo em que dizia que nada pediria a Deus, pois se ele é onipotente, deveria saber do que ele precisava.

Nos últimos tempos, pouco saía de casa, a não ser para eventuais visitas ao seu amigo Plínio Doyle, em Ipanema, grande responsável pela doação do acervo pessoal de Pedro Nava ao Arquivo-Museu de Literatura da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, onde Doyle era Diretor.

E o que o fascinava em seu conterrâneo Drummond era sua reserva exemplar, aquela coisa de não invadir a personalidade de ninguém, nem permitir acesso à sua. “Impermeável por dentro e por fora”, diria; ressalvando, porém, que na poesia Drummond era derramado ternamente pela humanidade inteira.

Por contingências do destino, passei a noite velando Nava, e foi amparado em meu braço que o amigo Drummond acompanhou, em passos lentos, o sepultamento do médico-escritor, no cemitério do Caju, quando, em seguida, literalmente, tive que “sequestrar” um táxi (já ocupado) para que o poeta retornasse com sua filha Maria Julieta e seu neto Pedro Augusto para casa, em Copacabana. Isso faria com que Drummond me ligasse à noite, profundamente comovido, para se desculpar por não ter, segundo ele, podido agradecer convenientemente ao meu simples gesto, por causa das suas urgências daquela  manhã tormentosa, no Caju. 

Com seu gosto de guardar e preservar com tanto zelo coisas antigas, Pedro Nava deu provas irrefutáveis de amor ao passado e ao País, de forma que, ao revelar suas memórias para o grande público, traduziu um compromisso de honra pessoal assumido com a nossa própria história coletiva, tarefa que só um homem de espírito superior poderia empreender.

Agora, com a reedição de suas obras, as novas gerações terão a oportunidade de conhecer uma das mais fascinantes personalidades das nossas letras, cujos escritos transcendem os domínios do privado e se materializam em obras perenes, de riquíssimo conteúdo humano e documental, provando que a Literatura sobrevive às circunstâncias pessoais de grandes artistas, como o genial Pedro Nava.

Nelson Bravo
 
                     PEDRO NAVA NO ESPELHO

- Só arranjei inimigos dentro da minha família, com esses livros de memórias.
- Comecei a escrever um pouco tarde e estou numa corrida contra o tempo.
- Você já pensou no poder que o médico tem de ver uma pessoa pela primeira vez e saber que ela pode morrer num determinado momento que a própria pessoa desconhece?
- A velhice é um isolamento muito grande e a busca de comunicação acaba sendo, para mim, uma busca de comunicação comigo mesmo.
- Eu não seria o memorialista que consegui ser se não tivesse o profundo hábito da observação, da crítica do ente humano concedida a todo médico que leva a sério sua profissão e indispensável para seu exercício.

 - Sou mesmo impressionado pela morte e um curioso de como as pessoas a recebem com resignação e bravura. E isso traduz um estado de medo. E talvez tenha escolhido o ramo da Reumatologia porque de reumatismo ninguém morre. Como escritor, me permito uma abertura para esse lado doloroso, que tanto me assusta, mas também me humaniza e me torna humilde.
- Para nos mantermos dentro do espírito moderno, o que eu quero é que essa mocidade nos derrube. E terá toda razão para isso.
- Nieta e eu nos casamos velhos, com 40 anos, e não tivemos filhos; chegamos a pensar vagamente no assunto, mas logo esquecemos.
- Evidentemente não me sinto realizado com minha obra literária. Isso seria uma pretensão. Só um Balzac, Dostoyevski ou um Tolstoi poderiam ter tal sensação. Aqui no Brasil, um Machado, um Drummond.

-Não me considero um grande escritor, por essa razão eu não sou o escritor que gostaria de ser.
- A consciência da condição humana faz o homem infeliz. De qualquer forma, gosto da vida e gostaria de prolongá-la um pouco mais, mesmo sabendo que muita coisa vai diminuindo com a idade; até o gosto das coisas se modifica, quando chega a velhice.
- Estamos vivendo numa época muito materialista e utilitarista.
- Atualmente sou tanto médico quanto escritor. Não repudio nenhuma das partes.
- Existem literatos de todas as profissões. Drummond foi farmacêutico.
- Fiz esses livros de memória sem a menor satisfação, pelo contrário. É um parto dolorido, não pelo esforço de escrever, mas por aquilo que representa para mim. 

- A pintura, em mim, é bissexta, bissextíssima. Mais bissexta do que a poesia.
- Quem lê a minha obra atual notará uma influência de Macunaíma e Amar, Verbo intransitivo. (obras de Mário de Andrade).
- Mentalmente, cada vez mais, eu me sinto confortavelmente instalado dentro de mim.
- Sinto que o que fiz, gostaria de ter feito melhor. Tinha consciência de que não havia escrito coisa integralmente ruim, mas não esperava um sucesso tão grande.
- Os jovens devem saber que para vencer só devem existir. Além de tudo, porque a vida é um desfalque permanente.
- Aos 19/20 anos, o homem deveria parar de estudar, de trabalhar, de tudo, para viver um ou dois anos em liberdade total.
- Tenho a impressão de que com o envelhecimento estou perdendo um pouco esse temor da morte. Mas não sei como vou proceder no momento em que me descobrir diante da situação da morte.
- E a vida é invariavelmente má, com tendência a ficar pior. A única coisa que presta da vida é o que passou. E o que passou remotamente, na infância.
- Sou um sujeito que se comove com qualquer lorota.
- Não há reminiscência que não seja falsa.  

- Não acho a vida boa. Sentido, não tem nenhum. E não há opção, escolha. O que a gente faz é um ato gratuito que acaba de maneira excessivamente cara: o enterro.
- Cada um tem o direito de fazer o que quiser. Eu aplaudiria sem hesitar uma pessoa aberta aos tabus sexuais.
- O homem progrediu. Mas progrediu para ficar mais velho. Isso adianta alguma coisa?
- Acho, inclusive, que a encrenca do mundo atual é um pouco culpa de nós, médicos, pela sobrevida que proporcionamos aos homens. E os problemas da sobrevida – como a superpopulação – é que complicaram tudo.

- Tenho horror à política. Minha posição sempre foi de oposição sistemática.
- Não dou a mínima importância ao chamado amor puro. O amor que interessa é o amor físico. Que cessado é substituído por uma amizade que faz o papel moral e mental do que seria o amor ideal. O estado de amor entre Romeu e Julieta, de Shakespeare, não dura mais que dois meses.
- Eu me acho muito barroco, muito excessivo.
- Que essas crianças façam o que quiserem, não se incomodem com carreira, glória.  Nada disso tem importância. Viver é que é importante. Meu recado é, pois: não façam como a minha geração, que sempre se reprimiu em função de uma porção de coisas.
- Ficar velho é ruim, muito ruim. Envelhece o corpo, a imaginação acaba, perde-se a qualidade. Depois de velho é como se a gente se cristalizasse. As emoções também ficam petrificadas. Até a minha capacidade de indignação antes era maior. Como? Eu seria incapaz de conviver com o Brasil de hoje, antigamente. Agora, convivo até com a Baixada Fluminense, com esse país tomado.
- A impressão que se tem é que o Brasil é um país insolvável, como aqueles negociantes falidos que um dia dão um tiro na cabeça.

- De piora em piora, vi o Brasil cair até a situação em que está hoje. É um país pelintra, caloteiro, sem saída, à beira do caos, e, no entanto, ninguém percebe isso.
- A minha longa observação dos seres humanos me leva a ter uma visão completamente pessimista de meus semelhantes. Gosto das pessoas, dedico-me a elas, mas não ponho à prova meus amigos, conforme aquele ditado: “Amigo é como vinho velho, é melhor não sacudir”. Eu não sacudo, não...
- Dentro da transformação incessante, a literatura e a arte para mim são uma forma proustiana de permanência e, por que não?, de infundada esperança também em um efêmero melhor.
- Minhas memórias nasceram da minha disponibilidade. Meu único critério é ser fiel a mim mesmo, dizer sempre a verdade.
- Fico admirado de ter chegado aos 80 anos, depois de ter pensado na tentativa do ato de suicídio tempos diferentes de minha vida, da adolescência à maturidade.

Seleção de textos: Nelson Bravo

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