segunda-feira, 10 de agosto de 2015

CLAÚDIA SILVA ESCREVE SOBRE ELENA ANDREY


Nesta madrugada de 09 pra 10 de agosto faleceu repentinamente a Profa. Dra. Elena Maria Andrei, uma daquelas raras bibliotecas vivas de que falava Hampaté-Bâ. Uma grande amiga, além de uma grande professora.

Sendo filha de Kianda como era, a Elena cumpriu todos os dias o que havia escolhido para sua vida ainda antes de nascer: ensinar, compartilhar experiências, fazer fruir e provocar conhecimento. Sobretudo quando se tratava de lembrar da necessidade de lutar pela tradição afro-brasileira e pela comunidade negra, sem demagogia e se valendo da poesia, da beleza, dos mitos, da história e da filosofia africana. Num dos últimos encontros que tive com ela, uma fala sua no Ylê Axé Opó Omin, uma das lições que ela nos deu naquele dia foi justamente a de que o Candomblé não é uma religião para cordeiros, mas sim para leões, para guerreiros.

Ela não era dessas pessoas fáceis e que querem agradar. Não tinha medo de ser controversa, de inquietar, de tecer críticas àquilo que era frívolo, falso ou mal-intencionado. Àquilo que residia nas aparências. Isso porque a Elena se atinha à essência e ao sentido. E esse sentido, essa intenção, essa direção, isso é Oxóssi – o que ela sempre fazia questão de me lembrar, como quando ajudou que eu me reerguesse no ano passado, depois de um momento difícil.

Seus pais vieram com ela ainda bem pequena para o Brasil, tendo seu pai sido preso político na Itália. Foram morar no Rio de Janeiro, naquele ambiente de comunidade, onde ela vivia nas festas de Erê pra ganhar doces.

Se formou em História e por muitos anos deu aula no Ensino Público. Eu amava ouvir ela contar sobre quando mostrava às crianças aquelas pinturas e relevos egípcios, com reis e princesas negras, cobertas de joias e ouro, e sobre como as crianças reagiam ao serem apresentadas a uma outra história da África, muitos antes da Lei 10.639 e da Chimamanda Adichie falar da total importância de contarmos histórias alternativas, de irmos além de uma história única.

Fez seu Mestrado sobre o Mercado de Madureira, discutindo Arte e Antropologia dos objetos religiosos comercializados ali, e o Doutorado sobre a história do Candomblé em Londrina, depois de ter se mudado para a cidade com a Miriam, sua filha. Foi professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Londrina por muitos anos, e ali esteve à frente de vários Projetos de Extensão, pois é na relação com a comunidade que fazia valer a Academia.
Nos últimos anos vinha se dedicando à Vila Cultural Flapt e ao projeto Boi Voador do Aquiles, com jovens e crianças do conjunto Aquiles Stenghel, na Zona Norte de Londrina.
Um outro ensinamento seu, enfim, é o de que a morte não é inexorável, e de que é preciso transformar a morte em vida. Aprender com as lições que a morte trás e cuidar dos vivos. Ela gostaria que continuássemos a cuidar uns dos outros, a lutar pela nossa religião, a lutar pelos nossos e por aqueles em quem acreditamos.
Desejo força aos amigos e sobretudo à Miriam, e que façamos da memória da Elena o motivo pra seguir na luta, naqueles esforços cotidianos, nessa luta que é feita sobretudo pelo compartilhamento do conhecimento, o que é uma forma de louvar às divindades das águas responsáveis pela sabedoria. Odociaba! Eru Yá! Odô Yá!

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