segunda-feira, 29 de setembro de 2014

ENTREVISTA COM CIENTISTA (BANDA SURFACE)



a)      Aldo pergunta: Olá Cientista é um prazer ter você falando com o público do blog Arte Brasil. Conte-nos um pouco de como se interessou por música.
               Cientista responde: O prazer é recíproco Aldo.

Acho que fui uma criança criativa, inventava minhas brincadeiras e sonhava muito.

Uma vez a turma que estudava no ensino fundamental foi visitar uma igreja vizinha à escola e tinham vários instrumentos montados inclusive uma bateria e fiquei fascinado.





Mas foi só depois de muito tempo, quando conheci a cultura Punk que eu vi que também podia me expressar artisticamente, seja na música, nos fanzines e em várias coisas através do “faça você mesmo”.


b)      E como foi chegar a montar a primeira banda?

Eu tinha muita vontade para montar uma banda, ia a vários shows e ensaios de bandas que fui conhecendo. Mas não sabia tocar nada, não tinha instrumentos e não tinha grana pra isso. Minha família sempre me deu muito carinho, educação, lugar pra morar e alimentação, mas não tínhamos condição de investir nisso.



Tive que me virar e com criatividade montei a primeira banda, que foi a Desordem e Regresso, em 1987. Tocávamos Punk Rock e Hardcore, e como sempre a banda não teve a repercussão que merecia.

E assim fui superando as dificuldades uma a uma e depois de “muitos anos” de luta hoje finalmente tenho a estrutura que sonhava, mas foi tudo na base de muitos sacrifícios.


c)       Como era o cenário nos anos 80 em Londrina para fazer rock?



Era muito mais difícil tocar em uma banda de Punk Rock nessa época, tínhamos o preconceito do público, dos poucos organizadores de eventos da época e até da maioria das outras bandas, hehehe. Mas como tudo da vida você tem que acreditar em você mesmo, e criamos uma rede de contatos muito grande e tivemos o reconhecimento nacional, dentro desse microcosmos.

Produzi duas demos da Desordem e Regresso, depois criei a Hard Money que ajudou muito no fortalecimento do cenário underground londrinense, criei o selo LAB REC que lançou vários CDS e recentemente dois DVDs. Continuo tocando, agora com a Surface (desde 1997) que lançou 4 CDs e um DVD. Desde a época que comecei no underground londrinense vi muitas bandas surgirem, mas a maioria nunca lançou nada, muitas nem criaram musicas próprias e algumas delas não duraram nem um ano. Se fosse fácil todo mundo faria, por isso acho que o reconhecimento local para as poucas bandas que conseguem realizar um trabalho sério é muito pequeno.
 

d) Sei que você documenta a história do rock em Londrina. Como é este trabalho e quando começou?

Desde que conheci a cultura Punk passei a ser protagonista da história, e não apenas um mero telespectador. E assim procurei guardar e registrar essa nossa trajetória, mas deve ser difícil para as novas gerações entenderem que até para tirar uma simples foto antes era algo bem complicado (para os meus padrões da época). Guardei cartazes, originais de fanzines, panfletos, etc, além de algumas poucas fotos. Filmagem então era algo de outro mundo, por isso realizamos poucos registros em vídeo no começo.

Em 2008 veio a ideia de produzir um DVD contando um pouco da história da banda Hard Money e de outras histórias do underground londrinense. Comecei a organizar o material que tinha e buscar mais coisas. Fiz um roteiro e busquei os meios pra executar o projeto. Conclui em 2011, pois além de ser algo muito trabalhoso, quando você banca um projeto cultural somente com o dinheiro do bolso as coisas demoram um pouco mais.



O resultado foi muito bom, muitas pessoas conseguiram reviver aqueles áureos anos do underground londrinense e quem não ainda conhecia saber dessa história. Foram mais de 500 DVDs divulgados em todo país e alguns para o exterior. Agora em 2014 lancei uma edição especial desse trabalho, com mais 4 vídeos extras.

E agora lancei o DVD/CD SURFACE “ANVERSO” , que de certa forma da continuidade ao registro histórico que comecei no DVD anterior (HARD MONEY “do it yourself”),é um trabalho bem mais complexo.




e)      Agradeço ter ganho de você o DVD e CD da banda Surface com o show gravado no Teatro Zaqueu de Melo. Vi a força da banda e das músicas autorais. Como manter o pique depois de tantos anos?

Acho que todo artista é meio doido, precisa abstrair a realidade pra conseguir realizar as coisas. Temos pouquíssimo reconhecimento em nossa própria cidade, não ganhamos dinheiro com isso, além de várias outras dificuldades e mesmo assim o prazer de continuar tocando e criando somado ao reconhecimento que recebemos de outros lugares nos motivos a realizar a melhor produção desses meus 30 anos quase de underground.



Com certeza o DVD/CD SURFACE “ANVERSO” foi a produção mais difícil que realizei na vida, por enquanto. Foram 3 anos de um produção minuciosa, um alto investimento e muita paixão. O DVD contém um show gravado ao vivo no Teatro Zaqueu de Melo, outro vídeo onde contamos um pouco da história da banda e alguns extras. O CD foi gravado no estúdio 3EM1, um dos melhores estúdios da região. A produção teve o patrocínio do PROMIC  (Prefeitura de Londrina) e um investimento grande do próprio bolso, mas o resultado valeu a pena.

f)      O punk rock e o hard core trazem em si muito de contestação ao capitalismo desenfreado e as questões sociais. Como enxerga a trajetória do Brasil neste contexto dos anos 80 a 2014?

Contestar o capitalismo é muito mais que falar mal dos políticos e de como a sociedade está organizada, é tentar viver de forma diferente do padrão, é fazer ações que não seguem a lógica do capital. É ter iniciativa e fazer as coisas acontecerem, fazer arte, sem ter como fim o lucro, mas a realização de algo prazeroso. Por isso vejo que o Punk trouxe essa visão “alternativa” para um monte de gente. Não é fácil ser diferente, pois fomos educados para agir sob a óptica capitalista, por isso é um desafio diário.


g) Você é uma referência cultural para todos que atuamos na cultura e agradeço dispensar parte de seu tempo para falar com nosso blog. Deixe o espaço livre para você falar com nossos leitores.

Eu que agradeço Aldo pela oportunidade. Todos os projetos que realizo faço com paixão, quem não sente isso ao realizar as coisas jamais conseguirá entender. Por isso espero que as pessoas se interessem mais em adquirir minhas produções, pois assim eu me motivo pra realizar outros projetos. Se já realizei tudo isso com pouquíssimo apoio (principalmente por parte do público londrinense) imagine o que conseguiria fazer com o apoio devido? Continuarei esse trabalho enquanto puder e espero que um maior reconhecimento venha enquanto estamos vivos... depois não adianta muito, hehe

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