No contexto da Reunião Ministerial de Educação e do Encontro Ministerial Conjunto de Educação e Trabalho do G20, que acontecem em Mendoza, Argentina, nos dias 5 e 6 de setembro, a Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Brasil, a Campanha Argentina pelo Direito à Educação (CADE), e o Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe (CEAAL) no México exigem que esses Estados reafirmem seu compromisso com a garantia de um financiamento público adequado, justo e sustentável para o fortalecimento de sistemas de educação públicos, gratuitos e inclusivos, de maneira a permitir a realização da Agenda de Educação 2030 nos níveis regional e nacional, assim como o cumprimento de legislações educacionais vigentes nos países, que aprofundem e fortaleçam os compromissos globais, como é o caso do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), do Brasil.
"O Plano Nacional de Educação, nossa principal política educacional, vem sendo colocado à margem nas ações do governo federal para a educação. Se não cumprimos com o que está previsto no PNE, especialmente no que tange a universalização do acesso, redução das desigualdades regionais e educacionais, qualidade, cooperação federativa, e financiamento, não chegaremos nem perto de atingir as metas da Agenda 2030 nem aquelas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU", analisa Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Até dezembro deste ano, a Argentina ocupa a presidência temporária do G20, um fórum que reúne líderes das maiores economias do mundo. Com esse papel, o país recebe uma série de reuniões preparatórias para a Cúpula de Líderes do Grupo, que acontecerá nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro de 2018 em Buenos Aires. Pela primeira vez, a educação é abordada num Fórum do G20, sendo enfocadas as temáticas: habilidades necessárias para a vida e para o trabalho; e financiamento da educação. Trata-se, portanto, de uma oportunidade importante para discutir esses assuntos com os países do Grupo.
As organizações da sociedade civil mencionadas destacam que garantir o direito a uma educação pública, gratuita, de qualidade, inclusiva, equitativa e ao longo da vida para todas as pessoas, sem discriminações, é condição fundamental para promover a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Essa premissa está prevista nas metas da Agenda de Educação 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que consideram a educação, a inclusão e a superação das desigualdades, especialmente as disparidades de gênero, como eixos transversais e fundamentais para alcançar todos os ODS.
"Demandamos aos Estados do G20 que reafirmem seu compromisso com a implementação efetiva da Agenda de Educação 2030 e com a realização do direito humano à educação para todas as pessoas. Isso requer sistemas de educação públicos, que sejam adequadamente financiados e comprometidos com a inclusão e a não-discriminação, especialmente em relação à igualdade de gênero, já que temos observado vários retrocessos para essa questão na região. É preocupante que os países latino-americanos que são membros do G20, e estão entre as maiores economias do mundo, não realizem investimentos públicos suficientes na educação pública, mesmo havendo um consenso global de que isso é fundamental para a implementação de todos os ODS e para a realização dos direitos humanos", afirma Camilla Croso, coordenadora geral da CLADE.
As organizações também denunciam que em diferentes países da região vêm sendo implementadas políticas que reduzem ou congelam os investimentos públicos em educação e em outros direitos sociais, com base em alegações de que a atual crise econômica requer políticas de ajuste fiscal e contenção dos gastos públicos, enquanto sistemas fiscais injustos e desiguais são mantidos. Elas defendem que a luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade começa por exigir: o fim dos incentivos fiscais prejudiciais e das práticas de evasão fiscal de empresas nacionais e transnacionais; o aumento da transparência de governos e grandes corporações; e o estabelecimento de uma nova arquitetura tributária internacional.
Para expressar essas preocupações e pressionar os governos da região que integram o G20 para que assumam um compromisso com a justiça tributária; garantam recursos adequados para o direito à educação e o fortalecimento dos sistemas públicos de educação; e executem planos educacionais e orçamentos sensíveis à inclusão, à equidade, à igualdade de gênero e à garantia de acesso e continuidade escolar para todas as pessoas, a CLADE e seus membros na Argentina, no Brasil e no México entregaram um documento a representantes dos Estados da América Latina e do Caribe durante as Reuniões Ministeriais realizadas na Argentina [o documento completo ? em espanhol]. Abaixo, veja o item sobre o Brasil.
Contexto brasileiro
Em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (95) foi aprovada no Congresso Nacional, instituindo um novo regime fiscal no país que suspendeu, na prática, o vínculo mínimo de recursos para a educação garantido pela Constituição Federal, por 20 anos. A emenda determina que o valor máximo de gastos públicos em educação, saúde e assistência social será condicionado ao valor investido no ano anterior, corrigido apenas pela inflação, tomando por base o ano de 2016. Nesse contexto, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em aliança com outras organizações e movimentos sociais do país, questiona a legalidade dessa alteração constitucional, e tem denunciado a situação à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
O novo regime fiscal dificulta o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, dentre as quais: expansão de matrículas e ampliação progressiva da obrigatoriedade da educação básica; redução do analfabetismo; melhoria da qualidade educacional; formação de professoras/es e a implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), mecanismo criado pela Campanha Nacional que estabelece parâmetros para um gasto público adequado, de maneira que todas as escolas do país ofereçam uma educação pública de qualidade.
Além disso, no final de 2016, o governo de Michel Temer abriu ao capital estrangeiro a exploração do pré-sal, que antes era exclusiva da Petrobras. Essa decisão também impacta negativamente a educação do país, pois significa a redução da arrecadação de royalties pela exploração do petróleo nacional, que deveriam ser destinados aos setores educação e saúde, segundo a Lei dos Royalties do Petróleo (Lei 12.585 / 2013).
Nesse contexto tão regressivo para o financiamento da educação no país, o PNE completa, em 2018, seu quarto ano de vigência sem ser cumprido. A Campanha Nacional tem acompanhado os efeitos negativos das políticas de ajuste fiscal para a educação nacional e o PNE, desenvolvendo pesquisas que analisam as políticas econômicas com ênfase em seu impacto nas políticas sociais [1]. A Campanha também participa de uma mobilização social de âmbito nacional contra os cortes orçamentários em direitos sociais, chamada "Direitos valem mais" [2].
Por sua vez, o perito independente da ONU sobre dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, ao lado de outros seis peritos e relatores da ONU, divulgou uma declaração [3], em que chama a atenção do governo brasileiro para os impactos negativos dos cortes orçamentários realizados no país, afetando direitos humanos como educação, saúde, seguridade social, segurança alimentar e igualdade de gênero. As autoridades também afirmam que as medidas de ajuste fiscal estão impactando desproporcionalmente as pessoas que já são vítimas de discriminação e vivem em situações de vulnerabilidade.
Diante da aproximação das eleições presidenciais, a Coalizão Anti-austeridade e pela Revogação da Emenda Constitucional 95, da qual faz parte a Campanha Nacional, lançou hoje um documento para alertar a cidadania sobre o colapso das políticas sociais e o agravamento das desigualdades no país [4].