Ele brilhou
num universo cultural restrito, numa época de reis e imperadores e foi admirado
por compositores de sua geração. Na verdade, é admirado e saudado como o grande
músico de sua época e um dos maiores da história cultural do Brasil. Filho de
escravos, seu nome é José Maurício Nunes Garcia.
Setembro de
2017 marca os 250 anos de nascimento do Padre José Maurício Nunes Garcia;
instrumentista, professor e compositor que iluminou os concertos e a formação
musical no Brasil colonial. Sua música permaneceu como importante legado sacro
e instrumental e ainda hoje frequenta as salas de concerto, os estudos
acadêmicos e as gravações voltadas ao gênero.
Em recente
entrevista à Revista Concerto, o maestro Lutero Rodrigues relata a pesquisa do historiador carioca
Anderson José Machado de Oliveira de que o pai do compositor era descendente de
escravos ( e não somente a mãe como já se sabia). Então temos um compositor do
mais alto nível e criatividade no Brasil colonial, nascido de descendentes de
escravos e que pode ser chamado de negro.
José
Mauricio buscou a ordenação religiosa por vocação e também como forma de
praticar sua arte, já que sua condição social era desfavorável. Para se ter uma
idéia das dificuldades, precisou da autorização do bispo, de um criterioso
teste e dispensa da cor para ser ordenado padre. Suas elevadas qualificações
artísticas e intelectuais se revelaram cedo e, de certo modo, fizeram a
sociedade escravocrata de sua época atenuar as fortes restrições de acesso a
posições de prestígio que colocava contra os negros e pardos como ele, mas não
o livraram completamente dos infortúnios gerados pelo preconceito.
Sua obra musical refletiria essas mudanças estéticas em uma síntese híbrida e multifacetada, traindo a herança da música colonial brasileira mas absorvendo fortes influências da escola classicista germânica, que viria a dominar sua produção madura. Seu apogeu durou apenas cerca de dez anos, iniciando com sua nomeação como mestre de capela da Catedral do Rio de Janeiro no final do século XVIII, e transcorrendo ao longo da primeira parte do período em que a corte portuguesa esteve no Rio. Nessa época, caiu nas graças do príncipe-regente dom João, que foi um grande admirador de seu talento, indicando-o diretor da Capela Real e fazendo-o cavaleiro da Ordem de Cristo.
Entretanto, o afamado operista português Marcos Portugal, ao chegar em 1811, imediatamente ganhou o favor da elite e lhe fez guerra constante, ocupando praticamente todo o seu antigo espaço. Isto iniciou sua fase de decadência, ao que parece acelerada por uma saúde em declínio e pela generalizada crise econômica e institucional dos primeiros anos após a Independência do Brasil. Mesmo assim, neste período final compôs algumas de suas obras mais importantes, como o Réquiem e o Ofício de Finados (1816) e as missas de Nossa Senhora do Carmo (1818) e de Santa Cecília (1826).
Faleceu quase na miséria com pouco mais de sessenta anos, deixando, apesar de ser padre, cinco filhos, que teve com Severiana Rosa de Castro. Em 1821 publicou o seu Compêndio de Música e Método de Pianoforte, ao que parece o primeiro tratado teórico-prático sobre o teclado escrito no Brasil por um brasileiro, e que permite obter um bom vislumbre de suas técnicas pedagógicas. Teria produzido adicionalmente um opúsculo didático intitulado Elementos d'Arte da Música, o Compêndio de Harmonia, o Compêndio de Contraponto, e as Regras de Acompanhamento, que foram perdidos.
Foi talvez o compositor brasileiro mais prolífico de sua época, e hoje é considerado um dos nomes mais representativos da música brasileira de todos os tempos e sem dúvida o mais importante compositor de sua geração.
Devido à escassez de estudos abrangentes sobre sua produção, há pouco consenso a respeito de quais sejam suas obras capitais. Porém, Cleofe de Mattos, Ricardo Bernardes e Carlos Alberto Figueiredo, que estão entre os principais estudiosos de José Maurício, citam entre as maiores as missas da Conceição, de Nossa Senhora do Carmo, de Santa Cecília e a Pastoril, junto com o Réquiem e o Ofício de Finados de 1816, e as Matinas de Finados.
No final dos anos 90, uma série de CDs na parceria da Funarte com o Instituto Itaú Cultural deu visibilidade às principais obras do compositor. Nos anos 70, a Funarte já havia publicado as partituras dessas obras em edições comentadas. Finalmente, em 2006, a Funarte também publicou uma série de livros sobre a música sacra colonial, com edições dedicadas às partituras e analises da obra de José Mauricio.
A contracapa e texto de abertura de encarte do CD Brasil Barroco/Música Sacra exalta a figura de José Mauricio com o título de O ORFEU NEGRO OU MOZART NO BRASIL e a seguinte afirmação:
“Em um disco consagrado à impressionante aventura da música ocidental nesse imenso território do Barroco, onde, mais que em qualquer outro espaço, ela se confrontou com misturas inesperadas.
Extraordinário, no entanto, é descobrir que no Brasil o compositor mulato José Maurício Nunes Garcia esteve sem dúvida mais próximo da expressão de Mozart do que um bom número de músicos europeus seus contemporâneos...” (os textos são assinados por Paulo Castagna).
Em 2013, a orquestra barroca (dirigida por Luis Otávio Santos) do XXIV Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga gravou em CD duas peças de Maurício Garcia: Dies Sanctificatus e o Gradual de São Sebastião. Ao lado destas obras, o CD traz o Réquiem, de Mozart.
O compositor nasceu em 22 de setembro de 1767 no Rio de Janeiro. Foi compositor, Mestre de capela e organista da Sé do Rio de Janeiro, diretor da Capela Real, professor e escritor. Faleceu em 18 de abril de 1830.
Aldo Moraes (músico, escritor e
jornalista)
*Fontes
consultadas: Edição crítica das partituras do compositor; Funarte/1978
Coleção Itaú
Cultural/Funarte; CDs com as obras do compositor/1997 e 1998
Música Sacra
Colonial; Edição crítica das partituras do compositor; Funarte/2006
Wikipédia
Revista
Concerto, edição 242/Setembro de 2017
XXIV
Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga/MG