terça-feira, 27 de setembro de 2011

30 ANOS SEM GLAUBER ROCHA


Conheci Glauber Rocha através da imensa paixão pela música de Heitor Villa-Lobos. Lendo uma de suas várias biografias, descobri o uso da música do índio de casaca nos filmes do baiano genial.

Mas ainda assim, conheci primeiro a vida de Glauber através de intensa repercussão que sua breve passagem tinha deixado na arte nacional: conheci através de reportagens em jornais e televisão e de um livro" Glauber por ele mesmo", de uma série que a Editora Martin Claret colocou no mercado nos agitados anos 80.

E com os parcos recursos tecnológicos que tínhamos então, demorou algum tempo para que eu tivesse acesso à obra de Glauber.

Baiano e estimulador da Tropicália ( na música ) e de uma estética própria no cinema brasileiro, Glauber foi ao mesmo tempo profeta de sua época e um destruidor de conceitos e paradigmas. Ele defendia e usou a estética da fome, do sertão, do povo desnutrido e analfabeto e da nossa política alheia aos problemas nacionais. Esta estética visual, literária e sonora era um contraponto consciente à estética de Hollywood, num discurso em que Glauber dizia não ser a nossa.

Nem mesmo a estética do cinema europeu cabia em nossa forma de ver o país e Rocha, enxergava que para termos um cinema nosso, precisávamos colocar nos telões: nossos heróis sertanejos, nossos mitos esfomeados, nossa miséria econômica, nossa riqueza etno-cultural, nossos anseios e contradições e sobretudo, a grande desesperança política que vivíamos. Pois, ele surge enquanto artista inquieto e ansioso, em plena ditadura militar, com o simbólico filme" Barravento" (1960).

Glauber foi fazer a montagem do filme no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que Nelson Pereira dos Santos rodava" Rio: 40 graus". O entendimento de que era necessário um novo cinema foi imediato e junto com Ruy Guerra, eles formaram a trindade do que viria a ser conhecido, negado e aplaudido como o Cinema Novo.

Em Glauber Rocha, o conflito era também pessoal ( a certeza da morte prematura; a antecipação da abertura política em detrimento aos amigos militantes que o acharam vendido; as mulheres de sua vida; as mortes prematuras de duas irmãs) e se confundia com sua criatividade ímpar: seu cinema havia apenas esboço de roteiro e Glauber, dirigia os atores ao mesmo tempo em que ia criando as cenas e o que pode-se chamar roteiro do filme.

Quando assisti "Terra em transe" e "Deus e o diabo na terra do sol", foi uma revelação de um Brasil inconsciente e simbólico que, de alguma forma, todos nós brasileiros percebemos e que naquele momento, me levaria à trilogia de Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre.

Morreu em 1981, aos 42 anos de idade, como um artista incômodo e único, cuja obra e vida ainda não foram devidamente avaliados. Num momento em que o cinema brasileiro retoma sucesso internacional, utilizando sobretudo temas e estética que são caros à nossa história artística e sociológica ( de Central do Brasil e Cidade de Deus à Tropa de Elite), a avaliação da obra de Glauber Rocha é importante para apresentá-lo aos jovens e disponibilizar publicamente seus filmes.

Afinal são 30 anos sem a presença inquieta e criativa do baiano que começou filmando negros em rituais religiosos e trabalhadores da pesca e que ganhou o mundo...

Aldo Moraes ( músico )

composermoraes@hotmail.com

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