segunda-feira, 21 de junho de 2010



MÚSICA, RUÍDO E VUVUZELAS


Se para o torcedor sul-africano é um tormento ver o fraco desempenho de sua seleção de futebol, para a imprensa e o público estrangeiros, a questão são as vuvuzelas. Seriam estas cornetas coloridas, uma espécie de grito de guerra ( então uma forma de som, algo musical ? ) ou o ruído ensurdecedor de que a maioria estrangeira reclama ?

A questão chegou até os quatro cantos do mundo com torcedores telefonando ou mandando emails para suas redes nacionais de televisão e questionando o do porquê não se usa a tecnologia atual para isolar os sons naturais da partida, dos sons das terríveis vuvuzelas.

Mas afinal quem têm razão ?

E o que é som ?

O que é ruído ?

Ruído é som ? Ruído pode ser música ?

E o que é música ?

Na época de Bach, a vida era tão pastoral que o maior ruído urbano ( para melhor entendermos ) que se podia ter era o de uma carroça. Já Beethoven, herdeiro da tradição tonal do grande mestre barroco e transgressor das lições de Haydn, inaugurou um período de sons não muito agradáveis para o publico que acompanhava suas estréias. Suas Sinfonias 3 e 5, por exemplo contém elementos que antecipam outros tempos musicais: a 5ª Sinfonia, tem o famoso tema do “ destino que bate à porta”, um pequeno ruído musical em dó menor e desenvolvimentos nada sutis deste mesmo tema ao longo dos 4 movimentos da obra. Na Sinfonia 3, Beethoven tem trechos claramente atonais já no 1º movimento, sem falar no tratamento dos mesmos e nas inovações dos movimentos da peça.

O fato é que tais inovações, durante muito tempo foram vistos como ruídos e elementos estranhos àquilo que sempre se considerou música.

Até que chega o século XX ...

Não precisa nem detalhar que nos últimos 100 anos, tivemos :

a) o conceito de urbanidade, tal como conhecemos; com seus carros, suas fábricas, as máquinas elétricas e a diversidade de ruídos;


b) Na música contemporânea, expandiu-se a integração entre som e ruído ( a que pode-se dar o nome de mescla, clusthers, música eletroacústica, música concreta e vai por aí ). E entre os mais vanguardistas e os mais tradicionais, temos em praticamente todos os autores, um gosto pelo som não comum, não usual, não vulgar ... : Villa Lobos, Bela Bartok, Schoenberg, Varése, Cage, Stockhausen, Jorge Antunes, Berio, Webern, e etc ... ;


c) Na música popular urbana, tivemos o nascimento de dois gêneros musicais bem conhecidos e que trazem o que podia ser considerado ruído, em sua essência: o rock ( com suas guitarras e baixo elétrico, a parafernália da bateria e o canto gritado) e o samba ( com a base toda nos instrumentos de percussão );


d) Por fim, a assimilação do homem às novas invenções e ao próprio ruído. E paradoxalmente, o afastamento das pessoas em relação à música e à arte contemporânea. Mas a assimilação do ruído urbano e desta musica quando filtrada na trilha de filmes, novelas, seriados e no dia a dia; principalmente fora do silencio dos teatros e salas de concertos.

Mas afinal é ruído, o toque do telefone ?

Ou da campainha ?

Ou a buzina do automóvel ?

A questão é que achei interessante a volta dos debates em torno do ruído, por ocasião das vuvuzelas, nos estádios de futebol da Copa do Mundo, na África do Sul, ainda que colocados pontualmente e de forma superficial. Afinal, tem que se dizer que as vuvuzelas nunca fizeram parte da cultura de futebol dos africanos e tais cornetas, foram introduzidas no continente africano, por uma empresa européia há poucos anos.

De outro lado, o incomodo de torcedores e imprensa mundial é que gostariam de ouvir outros ruídos ( menos audíveis ) : os gritos de jogadores, técnicos e árbitros; os gritos de guerra da massa; os atritos mecânicos em campo ... E são as mesmas pessoas que não suportam as inovações no campo da musica contemporânea, principalmente se tiver que ouvi-las em gravações ou concertos ao vivo.

Por isto, o século XX é tão fascinante. Ele é tão grande e penso que ainda não adormeceu.

Espera, pacientemente, ser descoberto !


( Aldo Moraes, compositor )

Email : composermoraes@hotmail.com

www.tramavirtual.com.br/aldo_moraes

www.aldomoraes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário